“LIBERDADE, LIBERDADE, ABRE AS ASAS SOBRE NÓS”. - Percival Puggina
Para dar título a este artigo peço emprestado o nome e o belo
estribilho do samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense no carnaval de
1989. A música e a frase poética, buscada no Hino da Proclamação da
República, compuseram-se com uma beleza irretocável e estão em perfeita
sintonia com meu sentimento em relação ao que vejo acontecer em nosso
país. É preciso dar asas e vida ao que se ganhou nas urnas de 2018.
Não voltarei a apontar a responsabilidade que atribuo à quase toda a
grande imprensa do país em relação à atual instabilidade política. Nossa
mídia tradicional fez-se militante de uma causa – a desestabilização do
governo – assumindo-a como seu dever perante a nação, permitindo que
fluam acriticamente, como se fossem frutos naturais da democracia e do
estado de Direito, as mais desviantes condutas do Congresso Nacional e
do STF. Enquanto aquele chantageava o presidente, o Supremo cruzava uma
linha amarela e fazia leis, cruzava outra, e pilotava o governo. As
notícias a respeito eram redigidas sem expressar o mais tênue sinal de
contrariedade ou reprovação. Os fatos correspondentes eram levados a
débito do Poder Executivo e da pessoa do presidente.
No último
dia 27, contudo, algo de imensa gravidade aconteceu. No berçário de um
mal nascido inquérito sobre fake news e desfeitas ao STF, 29 cidadãos
brasileiros foram objeto de uma ação de busca e apreensão da Polícia
Federal, a mando do ministro Alexandre de Moraes, que vem atuando como
xerife do Supremo. Mais uma vez, os noticiários optaram por
tratar do impacto no território do governo, deixando de lado a agressão à
liberdade de opinião e expressão, até recentemente um suposto valor de
quem preze as práticas inerentes à democracia. O silêncio da “grande
imprensa” sobre essas ocorrências deixou claro que se dependermos dela
para defesa de nossas liberdades, estamos fritos. A única liberdade de
opinião pela qual se empenha é a própria. E, pelo jeito, detesta
reparti-la com quem quer que seja. Como se sabe, isso é próprio dos
totalitarismos, onde a liberdade tem um caráter oficialista, concedida
por alvará a “ciudadanos confiables” como é dito em Cuba.
Um
crime imperdoável foi cometido nos três ou quatro anos anteriores ao
pleito de 2018. O crescimento explosivo das redes sociais abriu um
espaço para opinião que se constituiu na mais espetacular demonstração
de vida inteligente fora do lado esquerdo do leque ideológico.
Conservadores pensam, descobriu-se. Liberais pensam, descobriu-se.
Saídos dos subterrâneos do anonimato acadêmico, resgatadas suas obras
das caixas de rejeitos das bibliotecas, dominaram o território. Ocorreu,
então, uma explosão editorial semelhante à que conheci nos anos 60,
quando a revista Civilização Brasileira e livros de autores da Escola de
Frankfurt andavam embaixo do braço e mantinham grande intimidade com o
sovaco de alguns colegas meus.
Na segunda década do século XXI,
contar-se-á um dia, opinar sobre os fatos deixou de ser privilégio de
poucos para se tornar direito de muitos. Firmou-se, assim, uma
animosidade entre os livres-pensadores das redes sociais e os que, na
mídia formal, exerciam com exclusividade o direito de formar a opinião
alheia sobre tudo. Por isso, nossa liberdade está sendo jogada em dois
tabuleiros. O oficial, onde a longa manus do Estado agindo através do
STF e do Congresso se junta à “grande imprensa” e as redes sociais onde
se dá o predomínio mobilizador de conservadores e liberais em sua
afanosa busca pelas asas da liberdade.
Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é
arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas
contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A
Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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