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quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Assim, acabam absolvendo Lula

Nosso Guia é ‘amigo’ de Odebrecht, mas daí a dizer-se que ele é o ‘amigo’ da planilha vai enorme distância

O conjunto de investigações que é associado genérica e impropriamente à Operação Lava-Jato está se transformando num parque de diversões. Há um magistrado que já apelidaram de Walt Disney, assim há procuradores e policiais que caçam holofotes. É compreensível que isso aconteça, sobretudo quando, de uma hora para outra, aparece um empreiteiro presenteando a mulher de um governador com brilhantes da Van Cleef.

O delegado federal Filipe Hille Pace, que investiga traficâncias do ex-ministro Antonio Palocci com a empreiteira Odebrecht, revelou sua suspeita de que Lula seja o “amigo” que recebia dinheiro da empreiteira. Fez isso na linguagem contorcida de quem diz, mas não afirma. A ele:  “Muito embora haja respaldo probatório e coerência investigativa em se considerar que o ‘amigo’ das planilhas (...) faça referência a Luiz Inácio Lula da Silva, a apuração de responsabilidade criminal do ex-presidente da República não compete ao núcleo investigativo do GT Lava-Jato do qual esta Autoridade Policial faz parte.”

O “respaldo probatório” conhecido está em várias referências a Lula, sempre mencionado como amigo de Emílio Odebrecht. Sendo ele amigo do dono da empresa, seria ele o “amigo” que recebeu R$ 8 milhões. Lula e a Odebrecht têm muitos amigos, mas essa cova é curta. O próprio delegado ressalvou que “a apuração da responsabilidade criminal do ex-presidente da República não compete ao núcleo investigativo” do qual faz parte. Sendo assim, foi despropositada a inexorável e deliberada publicidade obtida pela divulgação de sua suspeita. Se o assunto não é da sua alçada, teria feito melhor mantivesse o caso nos canais investigativos da corporação.

Como Lula afirma que nunca soube de nada, não é dono do apartamento do Guarujá e nada tem a ver com o sítio de Atibaia, se amanhã alguém disser que ele estava no depósito de livros de Dallas na manhã na manhã de 22 de novembro de 1963, haverá quem acredite que, finalmente, se descobriu quem matou John Kennedy.  Contam-se em muitos milhares as pessoas que desejam ver Lula preso. Tamanha é essa esperança que na semana passada, quando a Polícia Federal vagou três celas na carceragem de Curitiba e ocupou uma com Eduardo Cunha, muita gente boa acreditou que as outras duas estavam reservada para Lula e seu escudeiro Paulo Okamoto. Informados de que o carro da Federal viria buscá-lo, petistas já madrugaram na porta de seu edifício.

Admita-se que resolvam prender Lula porque, de acordo com os documentos conhecidos, ele seria o “amigo” que recebeu R$ 8 milhões da Odebrecht. Nesse caso, os trabalhos seriam dois: primeiro, prendê-lo, em seguida, soltá-lo. Em março, o ex-presidente foi conduzido coercitivamente a uma delegacia. O balanço do episódio foi a sua martirização, papel em que há 40 anos ele se sente bem.

Repetiu-se a dose em setembro, quando o Ministério Público fez um teatrinho infantil, apresentando-o como cabeça da hidra da roubalheira. Num gráfico de PowerPoint, nem do português cuidaram, mencionando uma “propinocracia”. Essa espetacularização foi criticada pelo próprio ministro Teori Zavascki. Na ocasião, o relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal cobrou respeito à “seriedade que se exige na apuração desses fatos”.
Não custa ouvi-lo.

Fonte: O Globo - Elio Gaspari, jornalista