"Colegiado está em baixa", disse o ministro Marco Aurélio em entrevista para esta Folha, justificando as 520 liminares que concedeu de forma monocrática em 2016 – mais que o dobro da média de seus colegas. A afirmação reflete o desprezo do Supremo pela separação dos poderes,
evidenciada por decisões irresponsáveis tomadas tanto de maneira
monocrática como de maneira colegiada.
Um dos exemplos mais marcantes foi o julgamento do rito do impeachment,
que ocorreu em dezembro de 2015. Na ocasião, os eminentes ministros
atribuíram a si mesmos o poder de legislar e decidiram que o Senado
poderia rejeitar a denúncia sem julgá-la, o que vai de encontro ao que
determina a Constituição. Além dessa "emenda constitucional" os ilustres
magistrados também "aprovaram" uma mudança no regimento interno da
Câmara dos Deputados, decidindo como a comissão que analisaria o pedido
de impeachment seria formada.
Além de legislar, o Supremo também quer substituir o Congresso na
análise de pedidos de impeachment. Em Abril deste ano, o ministro Marco
Aurélio concedeu - de maneira monocrática, é claro –liminar que obrigou a Câmara a acolher uma denúncia contra o então vice-presidente Michel Temer.
O problema é que a prerrogativa de acolher esse tipo de pedido é única e
exclusivamente do presidente da Câmara e a lei 1.079, que regula o
processo de impeachment, não prevê o impedimento de vice-presidente.
Detalhe: a ação apenas pedia uma nova análise do pedido, não seu
acolhimento. Isso sem falar na ainda recente traquinagem - também protagonizada pelo
excelentíssimo ministro Marco Aurélio - de afastar o presidente do
Senado, Renan Calheiros. Jogando a já dilacerada Constituição num
triturador de papel e ignorando o regimento interno da própria corte em
que trabalha, Marco Aurélio mostrou que um ministro do Supremo pode,
sozinho, afastar o presidente de um poder. [não pode ser olvidada a traquinagem do ministro Fux ao decidir, como sempre de forma monocrática, o que a Câmara dos Deputados pode votar e como deve votar.
Certamente, quando a decisão traquina for submetida ao Pleno do STF será revista, mas até que ocorra, o ministro Fux retirou da Câmara a atribuição de legislar.]
O caminho que vem sendo trilhado pelo STF é perigosíssimo. Ora, se a
Corte pode legislar e cada um de seus ministros pode afastar o
presidente de um poder, por que não concentramos tudo no Supremo e
criamos logo a República do Judiciário?
O STF não pode se colocar acima de todos os poderes. O poder é dividido
em três por uma razão: impedir o surgimento de uma tirania. Aplaudir
decisões do Supremo que desrespeitam a Constituição é flertar com a
ditadura.
Quando os fins justificam os meios, a barbárie prevalece. Não sou eu que
afirmo isso, é, como diria o barão de Montesquieu, a natureza das
coisas.
Fonte: Kim Kataguiri, Folha de S. Paulo