É razoável esperar que presidentes, ao menos, leiam compromissos que juram ou subscrevem
Jair Bolsonaro é um político profissional. Já passou 47% da sua vida no
Legislativo, o triplo do tempo em que esteve no Exército, que o prendeu,
processou e afastou por indisciplina. [atualizando: Jair Bolsonaro foi absolvido de todas as acusações pelo Superior Tribunal Militar, instância máxima da Justiça Militar da União.] Mesmo assim, continua no
autoengano da negação da política e esgrimindo uma suposta ignorância
sobre o que diz a Constituição. Na noite de domingo, ele escreveu: “Respeito todas as Instituições, mas
acima delas está o povo, meu patrão, a quem devo lealdade.”
A essência dessa frase de 16 palavras é o exorcismo de outra, com 20
vocábulos: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Está destacada em parágrafo único no primeiro artigo da Carta — à qual
Bolsonaro jurou obediência oito vezes seguidas nos últimos 30 anos. Não se pode exigir que presidentes sejam sábios, mas é razoável esperar
que, ao menos, leiam compromissos que juram ou subscrevem.
Apenas 48 horas antes, Bolsonaro havia celebrado a adesão ao acordo
Mercosul-União Europeia, cujo fundamento é a cooperação entre
instituições, sob princípios da democracia liberal e do desenvolvimento
sustentável. É, essencialmente, um grande acordo político, com efeitos
práticos no comércio nas duas margens do Atlântico. Como premissa, estabelece a impossibilidade de retrocessos em tratados
em vigor. Obriga a “implementação efetiva” de políticas ambientais e
antidesmatamento, como previsto no “Acordo de Paris”; contra a
discriminação no trabalho, por gênero, identidade ou orientação sexual;
impõe ações contra o trabalho escravo e infantil; garantias aos direitos
dos índios, à liberdade sindical e ao direito de negociação coletiva,
entre outros aspectos. [felizmente, para o Brasil e brasileiros, não são estabelecidos prazos para implementação da institucionalização da 'balbúrdia', que seria a tônica se todas essas regras, concessões de direitos e liberdade - sem a contrapartida dos deveres - fossem implantadas nos próximos 50 anos.]
Bolsonaro vai precisar se aperfeiçoar no contorcionismo retórico para
continuar no balé eleitoral da negação da política, evidência de um
certo transtorno bipolar com a democracia. O acordo Mercosul-União
Europeia deve aumentar sua taxa de confusão entre aquilo que
aparentemente deseja e a vida real sob regras democráticas.
José Casado, jornalista - O Globo
José Casado, jornalista - O Globo