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quarta-feira, 9 de maio de 2018

Motivo da ação; procurador falou demais

Nova tentativa de mordaça para procuradores?

O Conselho Nacional do Ministério Público vai decidir na terça-feira sobre o destino de um processo disciplinar contra o procurador da Lava-Jato Carlos Fernando dos Santos Lima. A tramitação foi no mínimo estranha. A reclamação feita pelo ex-presidente Lula foi arquivada, e depois desarquivada para iniciar-se a ação contra o procurador, mas por outro motivo: pelo que ele disse sobre o presidente Temer.

Se o processo for aceito pelo CNMP, terá repercussão que vai além do caso. O que se busca, como fica claro na leitura das idas e vindas da ação, é evitar que procuradores falem. [não é evitar que procuradores falem e sim que falem demais e muitas vezes dizem coisas sem sentido,. ofensivas e se consideram acima das leis.]  O autor da reclamação, Lula, teve sua queixa arquivada. Mas a corregedoria incluiu uma admoestação. Que o procurador “evite a emissão de juízos de valor, por meio das redes sociais, e da esfera privada em relação a políticos ou partidos políticos investigados”. Ao contrário dos juízes que têm limitações de falar sobre o que vão julgar, o Ministério Público é parte do processo. Portanto, é natural que fale. Uma regra assim geral como pode ser interpretada? Qual é o limite do que pode ou não ser dito e em que circunstâncias? Essa zona cinza é que preocupa.

Lula recorreu e o corregedor Orlando Rochadel Moreira decidiu desarquivar o processo. Só que, curiosamente, continuou considerando que o que o procurador falara sobre Lula — que o ex-presidente estava no ápice de uma organização criminosa era livre manifestação de pensamento. [fazer comentários -sobre um condenado a pena superior a doze anos e que responde mais oito processos penais é uma coisa bem diferente de falar sobre o presidente da República.
Lula é um condenado, encarcerado, julgado até agora por DEZOITO JUÍZES, enquanto Michel Temer é até agora acusado sem provas - inclusive a Empresa que é acusada de ter subornado o presidente Temer não foi beneficiada pelo decreto que supostamente ela comprou.
Até agora o que se conclui é que a Rodrimar pagou por algo que só favoreceu aos seus concorrentes.] Um dos argumentos de Lula, no entanto, o de que o presidente Michel Temer também fora criticado pelo procurador Luiz Fernando em postagem no Facebook, foi usado para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar. Sobre Temer, o procurador escreveu no Facebook o seguinte: “Temer foi leviano, inconsequente, calunioso, ao insinuar recebimento de valores por parte do PGR. Já vi muitas vezes a tática de ‘acusar o acusador’. Lula faz isso direto conosco. Entretanto, nunca vi falta de coragem tamanha, usando de subterfúgios para dizer que não queria dizer o que quis dizer efetivamente”. Termina dizendo que Temer não estava qualificado para o cargo.

Não há dúvida que ele usou adjetivos fortes, mas se Carlos Fernando for punido qual será o próximo passo? Estabelecer-se um grupo de adjetivos que não podem ser usados? Fazer uma lista de pessoas que não podem ser criticadas? Lula pode, Temer não pode. [um procurador da República até em respeito a liturgia do seu cargo tem que ser comedido no uso de expressões especialmente quando critica a maior autoridade da República;
criticar Lula é criticar um condenado pela Justiça bem diferente de criticar o presidente da República - este está sujeito a críticas mas que pelo menos sejam apresentadas com adjetivos adequados à dignidade do cargo que ocupa.] Com Lula, foi uma argumentação “técnica” e exercício da “liberdade de expressão”; com Temer foi ofensa à dignidade da Presidência da República.

O Processo Administrativo Disciplinar foi distribuído para o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, que está no conselho por indicação do Senado. Ele estava fora do Brasil, mais precisamente em Portugal, na época em que reabriu o processo para fazer aditamentos incluindo um artigo que o procurador escreveu na “Folha de S. Paulo” e outra postagem no Facebook.  Parte importante do sucesso da Lava-Jato tem sido a comunicação aberta e transparente dos processos. Os procuradores são criticados, mas também explicam seus pontos de vista. É parte da estratégia para que a sociedade conheça todos os detalhes da bem-sucedida operação de combate à corrupção.

A acusação é de quebra de decoro. Da maneira como está, e nos termos que vem sendo colocada, é uma tentativa de pôr uma mordaça em procuradores ou, no mínimo, criar um clima de autocensura. É mais uma, e não será a última, tentativa de pressão contra a Lava-Jato. O CNMP é órgão externo, está para o MP como o CNJ para o Judiciário e não tem o poder de punir, mas obviamente tem peso. Como a decisão de iniciar o PAD foi tomada pelo corregedor “ad-referendum” do conselho, terá que ser confirmada pelo plenário. Se o for, o procurador vai responder a um processo por quebra de decoro por ter criticado Temer e terá ainda que seguir instrução de nunca manifestar juízo de valor sobre autoridades, políticos, partidos. Como tudo na Lava-Jato, há muito mais envolvido neste caso do que se pensa. Não é um procurador sendo ameaçado de ação disciplinar por eventualmente ter escrito algo em tom inadequado, é uma forma de criar barreiras à atuação dos procuradores de forma geral.  [salvo engano, falar demais não está entre as práticas necessárias a que um procurador seja mais eficiente no desempenho de suas funções;
ao contrário, muitas vezes, o silêncio é de ouro.]

Coluna da Miriam Leitão - Com Marcelo Loureiro