Bernardo M. Franco - O Globo
Jair Bolsonaro contratou mais uma crise com o Supremo Tribunal Federal. Ontem o presidente disse que nenhum juiz pode decidir “se você vai ou não tomar a vacina”. Foi uma clara provocação à Corte, que deve julgar três ações sobre o tema. [Os juízes não podem tudo - assim, ter uma opinião contrária ao que um juiz pode vir a decidir não tipifica crime.
Após a decisão é que surge a obrigação de cumprir; se permanece insatisfação com o decidido se recorre pedindo efeito suspensivo.
Provavelmente, o presidente Bolsonaro teve sua declaração tirada do contexto, já que ao dizer: "nenhum juiz pode decidir 'se você vai ou não tomar a vacina', pelo simples fato de que estará decidindo sobre a obrigatoriedade de uso de algo que ainda não existe'".
Ainda que a frase tenha sido divulgada incompleta, continua cuidando de algo que pode vir a ser decidido.]
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Na sexta-feira, o ministro Luiz Fux avisou que a disputa sobre a vacina tende a ser judicializada. É o desfecho mais provável caso Bolsonaro insista em sacrificar a população para fazer guerra política. Na semana passada, ele mandou o Ministério da Saúde cancelar a compra da vacina em desenvolvimento no Instituto Butantan. Tudo para atingir o tucano João Doria, seu virtual adversário em 2022.[quisesse o presidente atingir o governador seria bem mais prático interpelar aquela autoridade sobre suas razões de ter se tornado adido comercial do governo chinês, tal o empenho na divulgação de uma vacina que não existe.]
Ontem o capitão disse que seria “mais fácil” investir na cura do que na vacina. A declaração tenta impor um falso dilema. Cura e vacina são esperadas com a mesma ansiedade. Não faz sentido trocar a segunda pela primeira. Abrir mão da vacinação significaria condenar milhões de brasileiros, especialmente os idosos, a uma quarentena sem fim. Além disso, seria loucura permitir que as pessoas adoeçam se for possível imunizá-las contra o vírus.
Bolsonaro parece insano, mas sabe aonde quer chegar. Ao fomentar um embate com o Supremo, ele tenta repetir um truque de abril, quando tentou impedir estados e municípios de decretarem medidas de distanciamento. O tribunal barrou a ideia por 9 votos a 0. Em seguida, o presidente passou a vender a falsa versão de que foi deixado “de mãos atadas”.[todos sabem que a ampla maioria cassando poderes do presidente da República, não propiciou uma ação eficiente dos governadores e prefeitos - ao contrário, resultou em um verdadeiro desmonte, pelo qual aquelas autoridades, não apenas elas, serão responsabilizadas.
Ao atacar a Justiça, o capitão tentou se eximir de responsabilidade pelos milhares de mortes. A tragédia humanitária seria [seria?] culpa dos prefeitos, dos governadores e até dos ministros do Supremo. Menos dele, que nada fez para combater a pandemia.
Bernardo M. Franco, jornalista - O Globo