O júri tem que responder por que o poderoso produtor era um abusador em série, mas mulheres que ele atacava mantinham contato e até tom afetuoso
Mas a decisão dos onze jurados, que a partir de hoje discutirão se ele é culpado ou inocente de cinco crimes de estupro e agressão sexual, não tem a clareza moral cristalina que se espera de um caso assim. O julgamento envolve duas mulheres, a assistente de produção Mimi Haleyi e a cabeleireira e ex-aspirante a atriz Jessica Mann.
Coberta de grifes da cabeça aos pés – sem falar nos implantes mamários – no estilo advogada poderosa, Donna Rotunno desempenhou com prazer o papel de vilã que defende com gana de buldogue o direito constitucional de todo e qualquer acusado ao contraditório. Deu um show. Assustador, mas show assim mesmo. Seu principal argumento: as mulheres que denunciaram abusos sabiam o que estavam fazendo, escolheram livremente entrar em quartos de hotel e até banheiros com um homem com a fama de Harvey Weinstein. Queriam uma chance no cinema, convites para o Oscar, cultivar um dos produtores mais poderosos de Hollywood.
Mais ainda: mesmo depois de atacadas, continuaram em contato íntimo com o abusador. A linda Jessica Mann , que teve crises de choro e ataque de pânico durante o depoimento, admitiu ter tido uma relação consensual depois de ser estuprada num quarto de hotel em Nova York, em 2013. Só terminou o caso em 2016. Chegou a comentar com uma amiga que Weinstein era sua “alma gêmea espiritual”. “Estou com saudade, grandão”, dizia numa das centenas de mensagens enviadas por email. Em outra, pede que conheça a mãe dela. Mais uma: “Eu te amo e sempre vou amar. Mas odeio ser apenas uma transa de ocasião”.
Mimi Haleyi disse que foi jogada na cama quando discutia um trabalho com Weinstein e obrigada a receber sexo oral. Tentou se livrar dizendo que estava menstruada, mas o produtor arrancou seu tampão com os dentes (um dos vários detalhes quase insuportavelmente constrangedores ouvidos durante os depoimentos; outros referem-se aos órgãos sexuais deformados do acusado, inclusive com ausência de testículos; desenhos feitos por peritos circularam entre os jurados).
“Lots of love”, despediu-se num de seus emails a ele. Muito amor. Uma mulher estuprada faz isso?
“Ela o estava usando para conseguir trabalho”, apunhalou Donna Rotunno. Agora, continuou, espera uma indenização das boas e pegou como a mais famosa advogada de casos similares, Gloria Allred. Mais brutal ainda foi o ataque da advogada de defesa contra uma das mulheres autorizadas pelo juiz a prestar depoimento, mesmo que seu caso esteja fora do julgamento.
Vários especialistas imparciais acham que é uma argumentação fraca, principalmente diante das reviravoltas comandada pela defesa, demonstrando o comportamento incomum, quando não interesseiro, das acusadoras.
O que dirão os jurados?
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