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quinta-feira, 2 de julho de 2020

Sobrou até para São Miguel: racismo explícito na medalha - VEJA - Blog Mundialista

A representação figura na Ordem de São Miguel e São Jorge, uma honraria dada, quando foi criada, a militares britânicos no Mediterrâneo.
Daí os dois santos guerreiros. Com o tempo, passou a contemplar embaixadores e personalidades com atuação no exterior. A atriz Angelina Jolie foi uma delas, por sua campanha algo ambiciosa de acabar com o estupro como arma de guerra. O nobre objetivo ainda não foi alcançado, infelizmente. O revisionismo histórico que grassa nos Estados Unidos e na Inglaterra chegou rapidamente a São Miguel.

Um branco (o arcanjo) pisando num negro (o coisa ruim) evoca a estremecedora cena de George Floyd sendo sufocado sob o joelho do policial Derek Chauvin. Atenção: o Satã negro já havia sido substituído em 2011 por um mais claro, mas não atendeu o surto politicamente correto.
O governador-geral da Jamaica, um posto honorífico para marcar sua integração na Comunidade das Nações (o império britânico depois de deixar de ser império), já tinha tomado a posição pública de não usar mais a honraria, recebida em 2009 na tradicional cerimônia em que a rainha Elizabeth tocou seu ombro com uma espada. “Atendendo a manifestações de preocupação de cidadãos com a imagem na medalha e a rejeição global ao uso de objetos que normalizem a degradação de pessoas de cor”, justificou Patrick Allen.

Adianta dizer que é o maligno príncipe das trevas, não uma pessoa?
Claro que não. Michael Palin, o ex-Monthy Python, o legendário e iconoclasta grupo de humoristas, recebeu a versão nova e embranquecida da condecoração, mas só de saber como era a encarnação anterior já a torna “imprópria e ofensiva”, avisou.
Dezesseis mil pessoas apoiaram um abaixo-assinado pedindo que a medalha seja “redesenhada”.
São Miguel Arcanjo é tradicionalmente representado como um alado santo guerreiro, de espada na mão para vencer Satã. Este aparece como um ser animalesco ou com formas humanas com asas de dragão e rabo.  Se for totalmente eliminado, vai sobrar apenas São Jorge, o padroeiro da Inglaterra que apareceu na outra face da medalha, matando o dragão, outra situação complexa nos dias atuais. Disse famosamente Winston Churchill sob o viés esquerdista da tradicional rede pública de rádio e televisão:
“Se a BBC cobrisse a luta de São Jorge com o dragão, torceria pelo dragão”.
A polêmica da medalha, criada em 1818 pelo rei George IV (um dia, o filho de William e Kate será outro rei com este nome) coincidiu com os novos planos do príncipe Harry e sua mulher, Meghan, de construírem uma carreira de celebridades antenadas com questões contemporâneas.
“O racismo institucional não tem lugar na nossa sociedade e, no entanto, é endêmico”, disse o príncipe numa premiação à distância. O furor despertado nos Estados Unidos pela morte brutal de Floyd e ampliado para estátuas e instituições com nomes de “racistas” tem um equivalente igual, inclusive nos precedentes, na Inglaterra. Se há católicos que se exasperam com a “modernização” da Igreja defendida pelo papa Francisco, deveriam encontrar consolo na Igreja Anglicana. Exatamente igual à fé católica, exceto pela ruptura com o papa, com a vida monacal e com o celibato, a Igreja Anglicana segue o catecismo politicamente correto ao ponto da loucura.

Disse no começo de junho o arcebispo da Cantuária, Justin Welby, que estátuas e monumentos na sublime catedral gótica de Westminster, uma das tantas igrejas tomadas aos católicos quando Henrique VIII rompeu com Roma, está passando por uma revisão completa. “Algumas terão que ser tiradas”, antecipou.

MATÉRIA COMPLETA - Blog Mundialista - Vilma Gryzinski - VEJA


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

O que é estupro? A terrível pergunta do caso Harvey Weinstein - VEJA - Mundialista


Por Vilma Gryzinski

O júri tem que responder por que o poderoso produtor era um abusador em série, mas mulheres que ele atacava mantinham contato e até tom afetuoso

[é esse cmportamento estranho que tornam dificeis de entender o comportamente das autoras das denúncias apresentadas contra João de Deus - médium de Abadiânia - GOIÁS.
Eram estupradas, iamlivremente para suas casas, companhia de seus familiares e alguns dias depois voltavam a visitar o 'estuprador' para serem novamente violentadas. Fica a impressão que ficavam em dúvida se tinha sido bom ou ruim, se podia melhorar, e voltavam para o estupro, digamos, 'confere'.Para complicar mais ainda, algumas passaram anos para denunciar.
A maioria das mulheres costumam ser dificeis de entender, mas, nesse aspecto há unanimidade, não se consegue entender nenhuma.]
 
Hervey Weinstein cometeu atos execráveis – nojentos, constantes, inúmeros e, dada sua posição como produtor de filmes premiados, com muitas das mulheres mais belas do mundo. Durante seu julgamento, aumentou a natural reação de repugnância que provoca em quem conhece sua história – e quem pode ignorá-la? –, encenando diante das câmeras ser um idoso frágil, arrastando-se com um andador.
Mas a decisão dos onze jurados, que a partir de hoje discutirão se ele é culpado ou inocente de cinco crimes de estupro e agressão sexual, não tem a clareza moral cristalina que se espera de um caso assim.  O julgamento envolve duas mulheres, a assistente de produção Mimi Haleyi e a cabeleireira e ex-aspirante a atriz Jessica Mann.

São praticamente desconhecidas em comparação com a lista de famosas que relataram avanços, tentativas e outros comportamentos indevidos de Weinstein. Ao todo, foram 90 mulheres, incluindo Salma Hayek, Gwynetth Paltrow e Angelina Jolie. Muitos casos prescreveram ou não configuram crimes com embasamento suficiente para chegar aos tribunais.  Mas os dois que restaram bastam para ser explorados, com habilidade, pela defesa de Weinstein, chefiada, como é obrigatório, por uma mulher, a implacável Donna Rotunno – contestar a credibilidade de outras mulheres em casos sexuais é praticamente vetado a advogados homens.

Coberta de grifes da cabeça aos pés – sem falar nos implantes mamários – no estilo advogada poderosa, Donna Rotunno desempenhou com prazer o papel de vilã que defende com gana de buldogue o direito constitucional de todo e qualquer acusado ao contraditório.  Deu um show. Assustador, mas show assim mesmo. Seu principal argumento: as mulheres que denunciaram abusos sabiam o que estavam fazendo, escolheram livremente entrar em quartos de hotel e até banheiros com um homem com a fama de Harvey Weinstein. Queriam uma chance no cinema, convites para o Oscar, cultivar um dos produtores mais poderosos de Hollywood.

Mais ainda: mesmo depois de atacadas, continuaram em contato íntimo com o abusador. A linda Jessica Mann , que teve crises de choro e ataque de pânico durante o depoimento, admitiu ter tido uma relação consensual depois de ser estuprada num quarto de hotel em Nova York, em 2013.  Só terminou o caso em 2016. Chegou a comentar com uma amiga que Weinstein era sua “alma gêmea espiritual”. “Estou com saudade, grandão”, dizia numa das centenas de mensagens enviadas por email. Em outra, pede que conheça a mãe dela. Mais uma: “Eu te amo e sempre vou amar. Mas odeio ser apenas uma transa de ocasião”.

Mimi Haleyi disse que foi jogada na cama quando discutia um trabalho com Weinstein e obrigada a receber sexo oral.  Tentou se livrar dizendo que estava menstruada, mas o produtor arrancou seu tampão com os dentes (um dos vários detalhes quase insuportavelmente constrangedores ouvidos durante os depoimentos; outros referem-se aos órgãos sexuais deformados do acusado, inclusive com ausência de testículos; desenhos feitos por peritos circularam entre os jurados).

Mesmo assim, a assistente de produção manteve contato voluntário durante anos com o repugnante produtor. Durante anos, recebeu hospedagem em hotéis, passagens para Los Angeles e Londres, como tantas outras amantes ocasionais dele.
“Lots of love”, despediu-se num de seus emails a ele. Muito amor. Uma mulher estuprada faz isso?
“Ela o estava usando para conseguir trabalho”, apunhalou Donna Rotunno. Agora, continuou, espera uma indenização das boas e pegou como a mais famosa advogada de casos similares, Gloria Allred. Mais brutal ainda foi o ataque da advogada de defesa contra uma das mulheres autorizadas pelo juiz a prestar depoimento, mesmo que seu caso esteja fora do julgamento.

Annabella Sciorra “lembrou-se” de ter sido estuprada por Weinstein, apunhalou Rotunno, porque era uma atriz já relegada ao esquecimento, sem carreira nem dinheiro.  Ao falar a Ronan Farrow, ele próprio a celebridade que deu o furo de reportagem sobre o escândalo, que tinha sido estuprada por Weinstein em seu apartamento, voltou ao circuito das grandes agências e se tornou uma figura admirada do movimento MeToo.  A argumentação da acusação levou em conta as complexidades do ser humano: uma mulher pode ser atacada ou estuprada e continuar em contato até amistoso como o abusador que ocupe uma posição excepcional de poder, uma descrição perfeita de Weinstein.
Vários especialistas imparciais acham que é uma argumentação fraca, principalmente diante das reviravoltas comandada pela defesa, demonstrando o comportamento incomum, quando não interesseiro, das acusadoras.

“Acreditem nas mulheres” é o mantra feminista para casos em que, no passado, a credibilidade de acusadoras de abuso sexual era vilmente contestada. A defesa de Harvey Weinsten conseguiu mostrar que, num mundo em que tantas mulheres são brutalizadas de maneira tão cruel, e mesmo com um réu que provoca rejeição tão universal quanto ele, não basta acreditar, é preciso provar, um princípio universal do direito.
O que dirão os jurados?


Blog Mundialista -   Vilma Gryzinski, jornalista - VEJA

 

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Não é só tara. É sobre poder

O poder sempre inebriou os homens. O que mudou foi a coragem e a posição das mulheres na sociedade 

Não sei se é preciso ser mulher para se enojar com os relatos das atrizes de Hollywood sobre os métodos de seleção do poderoso produtor de cinema Harvey Weinstein, bilionário aos 65 anos. Ao ler em detalhe os depoimentos das vítimas de Weinstein, todas no viço dos 20 anos quando foram atacadas pelo predador sexual grande e forte, pensei: quando chegará o momento de desmascarar os tarados poderosos no Brasil? Por enquanto, só quem ejacula em ônibus acaba preso.

O primeiro sentimento é de incredulidade. Como esse cara ficou décadas assediando e estuprando moças – e continuou a ser mandachuva em Hollywood? O “sistema” fecha os olhos a homens que usam o poder para atacar mulheres entre quatro paredes. Weinstein não era muito criativo, repetia o padrão. Chamava a aspirante a atriz para uma festa ou uma reunião de negócios imaginária, convidava uma executiva de sua empresa para estar presente por minutos como álibi, inventava uma desculpa para mostrar cenas em seu quarto de hotel.

Partia para o ataque deprimente: dizia que precisava de uma massagem, jogava seu peso físico e profissional sobre as mulheres, tentava tirar a roupa delas, tomava ducha com porta aberta, ficava pelado só com roupão ou já as recebia no quarto com esse figurino, fazia ameaças verbais ao futuro delas, dizia que todas transavam com ele, pegava o rosto delas e empurrava para baixo, exigia sexo oral. Muitas lutaram com ele. As que cediam se sentiram degradadas depois. Um áudio divulgado pela polícia de Nova York revela sua pressão nojenta para tocar os seios de uma modelo de 22 anos. Quando elas se trancavam no banheiro ou tentavam fugir, Harvey Weinstein se masturbava na frente delas. Algumas abandonaram o cinema, por pensar: “É assim?”.

Depois que o jornal The New York Times e a revista New Yorker divulgaram os métodos de Weinstein, aconteceu algo parecido ao que, no Brasil, acabou levando à prisão o médico estuprador Roger Abdelmassih. Uma onda. Começaram a chover os depoimentos de atrizes assediadas ou estupradas pelo produtor. Gwyneth Paltrow, Ashley Judd, Mira Sorvino, Angelina Jolie, Rosana Arquette, Léa Seydoux, Kate Beckinsale, Cara Delevingne são algumas das dezenas que denunciaram Weinstein.

O que faziam elas? Umas, nada, com medo que ele desse um fim a suas carreiras. Só o evitavam. Weinstein produziu filmes que renderam Oscar, como Shakespeare apaixonado, O artista, O paciente inglês. Ele era uma espécie de patrono para diretores como Quentin Tarantino e Steven Soderbergh. Algumas vítimas o denunciavam em particular – Gwyneth contou a seu então namorado, Brad Pitt, e ele confrontou Weinstein. Ela e outras receberam de Weinstein telefonemas ameaçadores. “Cale a boca, pare de falar no assunto.” Ou sutis: “Está precisando de algo?”. Algumas levaram a denúncia a canais oficiais. A resposta foi o silêncio. E houve as que fizeram acordos milionários com advogados do produtor, que tentavam evitar um escândalo.


A versão de Weinstein: “Relações sexuais sempre foram consensuais”. Depois, pediu desculpas “sinceras” publicamente por traumas provocados por seu “comportamento inadequado”. Também atribuiu seus avanços sexuais à “cultura dos anos 1960 e 1970”, quando “as regras eram diferentes de como se portar em lugares de trabalho com mulheres”.

Hã? Não parece ter convencido sua linda mulher, a estilista de 41 anos Georgina Chapman, mãe de seus filhos de 4 e 7 anos. Georgina anunciou a separação: “Meu coração está dilacerado por todas essas mulheres que sofreram uma imensurável dor por causa dessas atitudes imperdoáveis”. Weinstein agora se diz “devastado”, promete buscar terapia e pede “uma segunda chance”.


Não é um fenômeno só de Hollywood. Nem de democratas ou republicanos. Bill Clinton conseguiu sexo oral com estagiária no Salão Oval da Casa Branca. Sua mulher, Hillary, continuou a seu lado. Donald Trump é comparado a Weinstein nos métodos e na prepotência. Um áudio de Trump vazou na campanha eleitoral: “Quando você é poderoso, elas deixam você fazer tudo. Agarrá-las pela x...ta”. Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos e sua mulher, Melania, continua a seu lado. Não é só nos Estados Unidos. No Brasil, a seleção de jovens atrizes foi batizada de “teste do sofá”.

Weinstein foi demitido de sua própria empresa. Pode ser banido da indústria cinematográfica. Caiu em desgraça. Poderia ser condenado a 25 anos de prisão se comprovadas as denúncias. Mas isso não acontecerá. O poder sempre inebriou os homens. Conhecemos várias histórias de assédios, também em redações de jornais e revistas. Não mudaram as regras. O que mudou foi a coragem das mulheres. E a posição delas na sociedade. Que se inspirem nos chefes corretos e não abusem de ninguém – moral ou sexualmente.


Fonte: Ruth de Aquino - Época

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