Alexandre Saraiva agora é delegado — sem equipe — em uma cidade do interior
Mal o enrolado Ricardo Salles acabara de pedir demissão do Ministério do Meio Ambiente, em 23 de junho, e uma mensagem em tom de ironia pipocava no Instagram, expedida a 1 160 quilômetros de Brasília: “E eu continuo delegado da Polícia Federal”. [delegado Saraiva, acusar sem provas é crime - no mínimo denunciação caluniosa; se Ricardo Salles acusado de tudo quanto é ruim (já foi acusado de de ter bombardeado Hiroshima e Nagasaki - a acusação só não foi noticiada pela mídia militante, devido ele ter nascido depois daqueles bombardeios) for condenado o senhor terá chances de recuperar seu prestígio.
Mas, sendo Salles inocentado - até agora são acusações e mais acusações, nada foi provado - o senhor tem que ser punido na forma da legislação adequada. Quanto a provocação, o deboche, até agora se revelou que foi apenas mais um elemento para justificar seu merecido exílio. Volta Redonda não é uma cidade pequena e seu salário permanece integral - claro que sendo inocentado, o agora ex-ministro tem todo o direito de buscar no Poder Judiciário a reparação de todos que o caluniaram, o que inclui o senhor.]
A provocação partiu de Alexandre Saraiva, 50 anos, superintendente da PF no Amazonas removido do cargo depois de apresentar ao Supremo Tribunal Federal uma série de denúncias de interferência indevida do ministro em ações policiais. Por mais que se deleite com o fato de Salles ter perdido o emprego e ele não, Saraiva está longe de viver no melhor dos mundos.
O ex-mandachuva das operações contra a extração ilegal de madeira na região amazônica hoje dá expediente em uma pequena sala em Volta Redonda, no interior do Rio de Janeiro, sem equipe e com pouco para fazer. “Voltei a ser soldado raso, na base da pirâmide. Não tenho mais função de chefia”, lamentou a VEJA, em entrevista em um restaurante local. O exílio é um castigo? “Só posso afirmar que há uma estranha coincidência de causa e efeito entre a apresentação da notícia-crime e a minha destituição”, afirma o delegado, há quase vinte anos na PF.
Acostumado a comandar centenas de policiais em grandes operações mata adentro, Saraiva trabalha hoje com outros quatro delegados e trinta agentes — nenhum subordinado a ele — em uma área de atuação que abrange nove cidades do Sul Fluminense. Uma operação recente de que participou resultou na prisão em flagrante de um casal com 1 000 reais em notas falsificadas. Nascido em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, Saraiva diz que não tem amigos no exílio volta-redondense e passa o tempo livre dirigindo duas relíquias, um jipe Willys 1963 e uma picape Rural Ford 1981, por estradas de terra batida. Sempre que pode, isola-se no seu sítio em Petrópolis, na Região Serrana, onde fotografa pássaros, lê, toca violão e assiste aos jogos do Flamengo.
A calmaria atual não lembra em nada o trabalho na Amazônia, onde recebia frequentes ameaças de morte — o aplicativo do celular apreendido de um madeireiro trazia foto sua e a frase: “Alvo a ser abatido”. Para se defender, conta que montou uma ampla rede de informantes que lhe repassavam planos de possíveis atentados. “Agora sou o exército de um homem só”, descreve Saraiva, que não dispensa a companhia da pistola Glock 9 milímetros e gosta de mostrar a tatuagem no braço direito, em inglês meio enviesado: “Born to war” (Nascido para a guerra). Uma de suas últimas realizações em Manaus foi a defesa, com nota máxima, da tese de doutorado em ciências ambientais e sustentabilidade, na Universidade Federal do Amazonas. Título: “Organização criminosa na Amazônia brasileira”.
Superintendente da PF amazonense desde 2017, Saraiva já vinha sendo alvo, nos bastidores, de seguidas investidas de senadores de Roraima e do Pará, insatisfeitos com sua atuação. O caldo entornou de vez quando encaminhou ao STF a denúncia de que Salles agiu para obstruir o andamento da Operação Handroanthus, que, em novembro passado, realizou uma apreensão recorde de madeira ilegal: mais de 200 000 metros cúbicos, no valor de 130 milhões de reais. O ministro tomou claro partido dos madeireiros, insistindo na tecla de que não se deve “demonizar” o setor. O documento enumera ao menos três delitos que teriam sido cometidos por ele: integrar organização criminosa, dificultar a ação fiscalizadora do poder público e exercer advocacia administrativa. Salles “patrocina diretamente interesses privados e ilegítimos perante a administração pública”, pontuou o delegado.
Em uma reunião de emergência no Palácio do Planalto, o então ministro pediu a cabeça de Saraiva ao presidente Jair Bolsonaro e o afastamento foi publicado no Diário Oficial no dia seguinte. “Tinha a opção de permanecer no Amazonas, mas sem o cargo, sem carro blindado e sem auxílio moradia, totalmente exposto. As outras possibilidades eram delegacias onde já havia trabalhado, em Nova Iguaçu, São Luís, Boa Vista e Volta Redonda”, relata. Ele optou por essa última, por causa do único filho, Ricardo Selva, o Selvinha (referência, segundo ele, à floresta que é sua paixão), de 6 anos, que mora lá com sua ex-mulher. A VEJA, amigos de Saraiva na PF o descreveram como alguém que “gosta de correr riscos”, é “obstinado” no trabalho e busca sempre “exercer protagonismo”. Um deles alertou: “É vingativo. Não pisa no calo dele”. Exilado em sua sala em Volta Redonda, o delegado Saraiva fala do futuro em tom pacífico: pensa em, paralelamente ao trabalho na PF, dar aulas de direito ambiental em alguma faculdade.
Brasil - VEJA
Publicado em VEJA, edição nº 2748 de 28 de julho de 2021