Eliane Cantanhêde
Os militares não embarcam no AI-5 e no ‘Três Oitão’ dos Bolsonaro
Em entrevista ao Estado, em dezembro de 2016, o então comandante do
Exército, general Eduardo Villas Bôas, me contou que “tresloucados e
malucos” batiam às portas das Forças Armadas pedindo a volta dos
militares ao poder e que, de pronto, ele advertia que algo assim tinha
“chance zero”. Três anos depois, porém, o clã Bolsonaro arrepia o País
com sua apologia a ditaduras.
Villas Bôas relatou que respondia com o artigo 142 da Constituição
àquela versão atualizada das “vivandeiras alvoroçadas” que, segundo o
marechal Castello Branco, primeiro presidente do regime de 1964, exigiam
“extravagâncias” do Poder Militar. Por esse artigo, as Forças Armadas
“destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais
e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Boa lembrança, já que o capitão da reserva Jair Bolsonaro nem completou
um ano de mandato e seu filho Eduardo, deputado federal e quase
embaixador (em Washington!), choca o País inteiro ao defender a volta do
demoníaco AI-5, enquanto o presidente, como informa o repórter Renato
Onofre, costura sua filiação ao ainda em gestação Partido Militar
Brasileiro. Assim, o novo partido embolaria perigosamente o presidente da República
com militares, policiais, a bancada da bala e “tresloucados e malucos”
de diversas espécies. E sob o número 38, em referência ao revólver mais
conhecido, principalmente entre os bandidos, no bang-bang nacional. O
presidente no “três oitão”...
Eduardo Bolsonaro uniu o País inteiro, da esquerda à direita, do PT de
Lula ao PSC do Pastor Everaldo, ao defender a volta do demoníaco AI-5.
Para o pai Jair, quem fala uma coisa dessas está “sonhando, sonhando,
sonhando”. Há quem sonhe com o paraíso, ganhar na loteria, a casa
própria ou um bom prato de comida. Fazer apologia a ditaduras não é
sonho, é pesadelo — além de crime. [para evitar muitas prisões, gostaríamos que alguém informasse qual artigo e qual lei tipifica o crime de apologia à ditadura?
Lembramos que tipificar não é interpretar determinado dispositivo de uma lei como seria nosso desejo - aí seria uma tipificação legiferante, por enquanto, restrita aos ministros do Supremo, mesmo assim atividade inconstitucional, visto que o STF ainda não fez uma interpretação criativa do texto constitucional que determina a independência e harmonia dos 3 Poderes o texto vigente deixa claro a regra no popular: 'cada poder no seu quadrado'.]
Só não é novidade no clã Bolsonaro, já que o patriarca saiu pela porta
dos fundos do Exército após ser acusado de planejar explodir quartéis,
passou três décadas no Congresso defendendo ditadores, torturadores,
censura e dedicou seu voto a favor do impeachment de Dilma Rousseff a
Brilhante Ustra, a estrela dos livros sobre tortura no Brasil. Já eleito presidente, Bolsonaro chocou o Paraguai ao elogiar Stroessner e
irritou o Chile duas vezes: com loas ao igualmente sanguinário Pinochet
e depois atacando o pai da ex-presidente Michelle Bachelet, morto sob
tortura. Até o atual presidente Sebastián Piñera reagiu.
Foi assim que Bolsonaro criou os filhos. Eduardo já tinha feito a
bravata infantil de que, para fechar o Supremo, bastam um cabo e um
soldado. Carlos lidera uma guerra insana pela internet contra tudo e
todos. Flávio mantém relações complexas com ex-policiais de má fama no
Rio. Perguntei a um oficial muito entrosado com as três Forças como militares
reagiam à fala sobre o AI-5 e ele: “Rindo. Só rindo de um absurdo
desses”. E disse que “nunca” haverá um partido militar, incompatível com
a missão constitucional das Forças Armadas e um retrocesso gravíssimo
no longo processo de profissionalização e descontaminação dos quartéis. [nada impede que qualquer cidadão funde um Partido Militar - mesmo que venham a impedir que militares da ativa se filiem, militares da reservar e civis podem se filiar e colocar no 'estatuto do partido' a defesa da filosofia militar, do ideário militar.]
A manifestação do oficial está perfeitamente de acordo com o que me
disse naquela entrevista o brilhante general Villas Bôas, ao descartar
aventuras golpistas e apelos de vivandeiras: “Nós aprendemos a lição.
Estamos escaldados”. Só que o presidente e seus filhos talvez não. A Câmara, por corporativismo ou preguiça, apenas advertiu o deputado
Jair, que em 1999 queria fechar o Congresso, disse que “o erro do regime
militar foi (só) torturar, não matar” e lamentou que o então presidente
Fernando Henrique não tivesse sido fuzilado. Parecia só bravata e,
impune, Jair acabou presidente. Como a Câmara vai reagir agora ao
deputado Eduardo? [nada fazendo, absolutamente nada;
o deputado Eduardo Bolsonaro não cometeu nenhum crime, não pratico nenhum ato antiético e não feriu o decoro parlamentar.]
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo