O 'diálogo' com os black blocs
O ex-senador Eduardo Suplicy estava com a corda
toda na
cerimônia em que assumiu a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da
Prefeitura de São Paulo. Bem a seu estilo, fez um discurso em que defendeu o
diálogo com todos os "movimentos"
que têm participado de protestos na cidade, inclusive
com os notórios black blocs - arruaceiros
cuja única reivindicação é ter a liberdade irrestrita de causar o maior
dano possível ao patrimônio alheio.
Talvez seja o caso de não se levar a sério o que diz Suplicy - a menos, é claro, que se considere normal e sadio que uma autoridade municipal entre em negociação formal com quem deveria estar na cadeia. No entanto, caso o agora secretário de Direitos Humanos resolva levar adiante sua esdrúxula promessa, será apenas mais um entre tantos atos irresponsáveis de uma Prefeitura que se apequenou diante de grupelhos radicais. Quem não se lembra do prefeito Fernando Haddad em cima de um carro de som, em março do ano passado, estimulando os baderneiros do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto a pressionar a Câmara Municipal a aprovar projetos de seu interesse? Diante disso, não surpreende que, em São Paulo, a truculência tenha se tornado o atalho preferido dos oportunistas para o encaminhamento de reivindicações ditas "sociais".
Ao "conclamar todos os movimentos"
para "dialogar", Suplicy elencou diversos grupos, como
os que defendem o passe livre, os homossexuais, os imigrantes e os negros, e entre eles
incluiu os black blocs - como se
fossem legítimos representantes de uma minoria. Não foi a primeira vez que
Suplicy considerou os black blocs dignos de serem ouvidos. Em 2013 ele leu, na
tribuna do Senado, um manifesto daquele grupo. Dizendo que os black blocs eram,
na verdade, "a sociedade civil, a
juventude, os trabalhadores indignados por trás de um capuz negro", o
texto, de um cinismo exemplar, informava que os vândalos "estão apenas se defendendo de uma polícia que carrega em seu
cerne o autoritarismo assassino do regime militar". O manifesto exigia
assim o "fim da Polícia Militar e de
sua mentalidade fascista".
Não
surpreende que a leitura de Suplicy tenha sido recebida
com espanto e protestos por seus colegas no Senado. Mas o petista não se
deu por vencido. Respondeu que os black blocs tinham de ser ouvidos, pois,
embora eventualmente recorram à violência, apenas "buscam justiça" e têm "boas intenções".
O
paulistano já conhece bem as "boas intenções" dos
black blocs. Desde que foram apresentados a eles, nas manifestações de
junho de 2013, os moradores de São Paulo sabem que, a qualquer momento, durante
qualquer protesto do Movimento Passe Livre (MPL), esses
mascarados estarão presentes para atacar estações do metrô, pontos de ônibus,
agências bancárias e o que mais aparecer pela frente. Em sua tática, a esperada reação da Polícia Militar é
sempre bem-vinda, pois assim os baderneiros podem posar de vítimas da
repressão policial.
Neste ano, já foram seis os protestos promovidos
pelo Movimento Passe Livre na cidade, e em todos eles os black blocs deram o ar da graça, sem que o MPL os
censurasse nem tentasse deles se desvincular. Pelo contrário, a turma do passe
livre tratou de criticar a Polícia Militar, que apenas fez seu trabalho ao
prender alguns vândalos.
Mas o
secretário não parece se importar com os transtornos que o MPL e seus parceiros
truculentos estão sistematicamente causando à cidade. O que importa é "dialogar" - e Suplicy se
disse animado até mesmo a participar de uma das manifestações do MPL, se isso
ajudar a negociação. Quando um
secretário municipal se dispõe a esse tipo de atitude, que subverte totalmente
o papel de um gestor da coisa pública, é sinal de que a crise que a cidade vive
não é apenas administrativa, mas moral. Mas, como o
secretário em questão é Eduardo Suplicy - aquele que, no Senado, já imitou Bob Dylan e vestiu cueca sobre as
calças -, resta a esperança de que tudo não passe
de uma grande blague.
Fonte: Editorial – O Estado de São Paulo