O Estado de S.Paulo
Partidos se esfarelam, mas força da inércia empurra Bolsonaro agora e os evangélicos depois
O presidente Jair Bolsonaro deixou em segundo plano o núcleo militar e o
núcleo ideológico do seu governo para investir decisivamente na sua
fiel base evangélica, dentro e fora do Congresso Nacional. Entretanto,
seu maior aliado para 2022 não é nenhum dos três segmentos, são o vazio
de lideranças políticas e a ausência de uma articulação concreta do
centro. O Brasil nunca foi e continua não sendo um país de extremos, nem à
esquerda nem à direita. Com toda sua biografia, seu carisma e o
enraizamento do PT, Lula perdeu três vezes e só chegou lá após uma real
guinada ao centro. A grande pergunta, hoje, é qual é e onde está o
centro.
A única liderança de peso a dar cara e voz aos setores moderados e
buscar uma alternativa entre o lulismo e bolsonarismo é Fernando
Henrique Cardoso, do alto dos seus 88 anos e de uma posição acima de
partidos, paixões e pretensões pessoais, políticas e eleitorais. Mas ele
encarna a moderação, o bom senso e a defesa da democracia, não projeta o
futuro. Foi-se o tempo dos grandes líderes, na política, na vida congressual, na
Igreja Católica, nos sindicatos, na academia, nas carreiras, no
empresariado, nas Forças Armadas. Aqueles que abriam a boca e o País
parava para ouvir. Ulysses Guimarães, Dom Ivo Lorscheider, Barbosa Lima
Sobrinho, Antônio Ermírio de Moraes e tantos outros que viabilizaram
grandes mudanças e capitanearam a Constituinte de 1988.
Foi nesse ambiente, com grandes nomes e essa efervescência de ideias,
que o próprio Fernando Henrique foi emergindo como candidato à
Presidência e venceu duas vezes, consecutivamente, em primeiro turno.
Qual o ambiente hoje? O que é possível florescer? O grande líder das esquerdas está preso, enquanto seu partido não
consegue esboçar nenhum programa, nenhum futuro, nenhuma articulação com
as demais forças políticas, refém de duas palavras que não dependem de
partidos e não levam a nada: Lula livre.
O grande líder da direita é um arrivista, que se contentou em passar
quase três décadas no anonimato do “baixo clero” do Congresso e, ao
subir a rampa do Planalto, se ocupa em promover recuos nos avanços da
sociedade e se delicia jogando dúvidas sobre o futuro da democracia. E onde está o PSDB, que poderia liderar o centro e comandar o debate
político no País? Não está nem aí, com seus ex-governadores atingidos
pela Lava Jato, João Doria fazendo jogo solo, os velhos líderes fora do
tabuleiro e os novos aturdidos e perdidos, em meio a uma divisão
paralisante.
Talvez seja a hora de um grande freio de arrumação. Fim do PT, fim do
PSDB, uma nova reaglutinação das forças que foram capazes de sobreviver,
enquanto o PSL se desfaz em pedaços, desgarrando-se de Wilson Witzel no
Rio, resvalando para Doria em São Paulo, insurgindo-se contra Flávio
Bolsonaro no Senado. Com toda essa balbúrdia e a falta de alternativas, quem lucra é quem já
está no poder, pela força da inércia: Jair Bolsonaro. As manifestações
dele são chocantes, os filhos aprontam coisas incríveis, alguns
ministros (vocês sabem quais) são inacreditáveis e, pior, a recuperação
da economia continua não dando os ares de sua presença, mas quem
desponta para galvanizar a reação a tudo isso? Por enquanto, há um campo
livre para a reeleição de Bolsonaro em 2022, contra Doria, Ciro Gomes,
alguém, qualquer um, do PT. E não para por aí. [convenhamos que os nomes citados, incluindo os 'gerais' sob a rubrica QUALQUER UM não possuem capacidade de incomodar o presidente Bolsonaro, Moro, seu vice em 2022, e futuro presidente em 2026.
Com as bençãos de Deus, a economia vai dar substancial melhorada, o desemprego ficará, se muito, próximo dos 5.000.000 até 2022, e Bolsonaro precisa de tempo para completar as mudanças no Brasil, tanto no campo da ideias, quanto no político, social, econômico e militar.]
Nessa toada, Bolsonaro não só se reelege como se prepara para fazer o
sucessor. Pode até tentar lançar um filho (se lançou para a principal
embaixada, por que não para o Planalto?). Como plano B, os evangélicos.
Têm muito, muito, muito dinheiro, e TV, rádio, palanque em qualquer
bairro do País e rebanho. Só falta apoio político forte. Que tal o do
próprio presidente da República?
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo