Com a redução vertiginosa da taxa básica, fica ainda mais escandalosa a enorme diferença entre a Selic e o que os bancos cobram nos vários tipos de crédito
Tudo
conspira no momento econômico do país para juros básicos suaves, jamais ou
poucas vezes praticados. Com uma recuperação do PIB em marcha lenta, sinalizada
pelo recuo de 0,56% do Índice de Atividade Econômica do Banco Central, em janeiro
sobre dezembro, desemprego ainda elevado, preços de alimentos domados e
inflação se mantendo bem abaixo da meta de 4,5%, o Comitê de Política Monetária
do BC decidiu, com razão, fazer outro corte de 0,25 ponto percentual na taxa
básica de juros (Selic), colocando-a no nível inédito de 6,5%.
Por
voluntarismo, a presidente Dilma Rousseff, bem ao seu estilo, o máximo que
conseguiu foi forçar o BC de Alexandre Tombini a comprimir a Selic até 7,25%.
Com a presidente retirada do cargo por impeachment, no governo do seu vice,
Michel Temer, o BC de Ilan Goldfajn seguiu a cartilha da boa técnica, e os
juros chegaram até onde estão sem o uso da “vontade política”. Quer dizer,
foram sendo desinflados como deveriam.
Como
costuma acontecer no Brasil, há sempre um senão, devido a tantas distorções
acumuladas numa economia que carrega problemas estruturais, eternizados pela
falta de reformas — tributária, do Estado, previdenciária etc. Tanto tempo de
juros básicos nas nuvens encobriu parte do despautério que é a enorme diferença
entre os chamados juros de mercado e a Selic.
Na semana
passada, antes da reunião do Copom, O GLOBO trouxe dados bastante ilustrativos
deste sério problema, da Associação Nacional de Executivos de Finanças,
Administração e Contabilidade (Anefac): do pico de 14,25%, creditados ao
voluntarismo de Dilma, aos 6,75% de antes da última redução, a Selic foi
cortada em 52,63%. Mas as taxas cobradas em importantes modalidades de crédito
caíram muito menos: comércio, menos 9,4%; veículos, queda de 17,15%; cartão de
crédito, menos 29,45%; empréstimo pessoal, corte de 11,47%; cheque especial,
menos 0,29%. E todas as taxas são muito superiores aos 6,5%. Nos cartões, por
exemplo, estavam em 318,5%.
Há
justificativas clássicas. Taxa de inadimplência — a ser aliviada pela
recuperação da economia e queda do desemprego. O excesso de subsídios ao
crédito — problema que começa a ser enfrentado, em boa medida, com a criação da
Taxa de Longo Prazo (TLP), que tende a se equiparar aos juros de mercado,
cortando subsídios nos créditos no âmbito do BNDES, subordinado à TJLP, fixada
discricionariamente pelas autoridades de turno.
Existem
mais causas, uma delas a excessiva concentração bancária. Os quatro maiores
(BB, Itaú-Unibanco, Bradesco e Caixa) têm mais de 70% dos ativos do setor. Há
esperança de que instituições financeiras digitais, de custo baixo e mais
ágeis, possam injetar concorrência no mercado. Não se sabe. Mas esta é uma
agenda que precisa ser prioritária em Brasília.
Editorial - O Globo