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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Intervenção militar, o próximo passo?

Após entrega de ajuda à Venezuela fracassar, opção de ação militar pode ressurgir

Por volta de 11 horas de sábado, quatro caminhões, cada um carregado com 20 toneladas de alimentos, suprimentos médicos e produtos de higiene pessoal, chegaram às pontes Simón Bolívar e Francisco de Paula Santander, que ligam a cidade fronteiriça colombiana de Cúcuta com a Venezuela.  

Na passagem Simón Bolívar, no sul da cidade, usada por milhares de pessoas em um dia normal, a polícia colombiana instalou a barricada de metal que havia sido erguida e milhares de venezuelanos passaram, na esperança de liberar uma via para que os suprimentos chegassem à Venezuela. Cantando "liberdade", eles foram em direção à polícia antimotim, que se abrigou atrás de escudos transparentes no lado venezuelano da ponte. Minutos depois, a primeira granada de gás lacrimogêneo caiu sobre os venezuelanos. Eles fugiram. E muitas pessoas 
ficaram feridas. 

A tentativa de entregar ajuda humanitária à Venezuela, orquestrada pelo líder opositor Juan Guaidó, que foi reconhecido como presidente interino do país pelo Legislativo controlado pela oposição e pela maioria das democracias ocidentais e latino-americanas, tinha três objetivos: o primeiro era publicamente envergonhar o regime de Nicolás Maduro. Sua corrupção e incompetência infligiram anos de dificuldades aos venezuelanos; o segundo era aliviar essas dificuldades, entregando cerca de 600 toneladas de ajuda, a maior parte fornecida pelos Estados Unidos; o terceiro e mais importante era derrubar o regime, criando uma barreira entre seus líderes e as várias forças armadas que o mantêm no poder.   

 
A operação teve sucesso em sua primeira meta, mas até agora não conseguiu alcançar os outros dois. O movimento começou no dia anterior com um concerto no estilo Live-Aid em Cúcuta, patrocinado por Richard Branson, um empresário britânico. Maduro contra-atacou com o seu próprio show, pouco frequentado, do outro lado da fronteira. As pessoas na plateia dizem que foram levadas até lá de ônibus e recompensadas com arroz e feijão por aparecerem.  No próprio dia da entrega da ajuda, Guaidó, formalmente impedido de deixar a Venezuela, juntou-se em Cúcuta com os presidentes de Colômbia, Chile e Paraguai (os figurões passaram o dia monitorando os eventos de um prédio perto da ponte Tienditas, sem uso, entre as duas outras passagens). Centenas de jornalistas chegaram para acompanhar os acontecimentos. Um mês depois de assumir o cargo de presidente interino da Venezuela em um comício em Caracas, Guaidó novamente chamava a atenção do mundo.

Mas pouca ou nenhuma ajuda passou. Houve relatos de que alguns suprimentos chegaram à Venezuela pela fronteira sul com o Brasil, onde a ajuda também estava armazenada. A maior parte sequer avançou até um posto de controle aduaneiro no lado venezuelano. Na fronteira colombiana, as forças venezuelanas repeliram as entregas. Dois caminhões conseguiram entrar na Venezuela através da ponte Francisco de Paula Santander, mas foram detidos no lado venezuelano. Algo, talvez uma granada de gás lacrimogêneo, os incendiou. Os defensores do governo afirmam que os manifestantes foram responsáveis. Depois que os primeiros cartuchos de gás lacrimogêneo foram disparados pelos guardas na fronteira, alguns manifestantes correram em direção ao Rio Táchira, seco em grande parte, e arremessaram pedras contra eles. Mais gás lacrimogêneo foi lançado. A maioria dos manifestantes recuou, mas algumas centenas continuaram a atirar pedras contra os guardas venezuelanos, que foram posteriormente substituídos pela polícia nacional.

Logo após o recuo dos manifestantes, as forças venezuelanas começaram a atirar gás lacrimogêneo contra o território colombiano, atacando manifestantes, jornalistas e observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA), que pensavam estar em segurança. Os manifestantes que mais se aproximaram da Venezuela foram recebidos com balas de borracha e munição real. Eles dizem que foram atacados por grupos paramilitares leais ao regime (conhecidos como coletivos), e não pela polícia antimotim, que não carregava armas.
A polícia colombiana, os paramédicos e os médicos cuidavam das vítimas na ponte Simón Bolívar e nas tendas médicas bem atrás dela. Os médicos confirmaram que alguns foram baleados com munição real. Os mais gravemente feridos foram transferidos para hospitais. Ao todo, quase 300 pessoas ficaram feridas nas travessias de Cúcuta. Quatro pessoas teriam morrido na fronteira da Venezuela com o Brasil.

The Economist viu quatro membros das forças armadas venezuelanas cruzando a ponte Simón Bolívar e o próprio rio para se unir ao governo interino de Guaidó. Eles foram saudados como heróis e correram para a segurança da polícia. Até o final do dia, mais de 60 membros das forças armadas e da polícia haviam desertado, de acordo com o serviço de migração da Colômbia. Mas eram exceções. A maioria permaneceu fiel ao regime de Maduro. Os coletivos parecem ser os mais comprometidos e os mais perigosos. Victor Navas, um participante, disse que quando os manifestantes desafiaram a polícia de choque, os coletivos estacionados no lado venezuelano do rio dispararam gás lacrimogêneo e tiros. Um desertor cruzando a ponte Francisco de Paula Santander disse que o governo havia ordenado que os paramilitares "massacrassem as pessoas". Habitantes de San Antonio del Táchira, no lado venezuelano do rio, dizem que esses grupos atacaram os manifestantes e invadiram apartamentos. Há relatos não confirmados de que eles fizeram reféns entre as famílias de alguns desertores.


Em  Caracas, capital da Venezuela, Maduro não deu qualquer sinal de rendição. Em uma manifestação pró-regime no sábado, ele dançou com a muçher, Cilia Flores, e insistiu repetidamente que continua como o presidente legítimo da Venezuela. A maioria dos observadores independentes acha que sua reeleição em maio passado foi fraudulenta. A única pista de que ele poderia ter alguma preocupação era o colete à prova de balas, que parecia estar usando sob sua camisa vermelho escura. A Venezuela agora rompeu relações diplomáticas com a Colômbia. Fechou suas fronteiras com a Colômbia e o Brasil e sua fronteira marítima com três ilhas do Caribe, incluindo Curaçau, onde está localizado outro estoque de ajuda. A Venezuela, portanto, cortou suas principais conexões de transporte de superfície com seus vizinhos.

Guaidó e a oposição dizem que continuarão buscando meios de obter ajuda. Quantas sanções ainda serão necessárias, além das impostas pelos Estados Unidos ao petróleo da Venezuela, para que sua principal fonte de divisas estrangeiras comece a causar problemas? Guaidó apoia as sanções como forma de forçar o fim do regime. Até agora, eles tiveram pouco efeito visível. Mas espera-se que agravem uma situação já desesperada. "Se essas sanções forem implementadas em sua forma atual, estamos olhando para a inanição", disse Francisco Rodríguez, do Torino Capital, um banco de investimentos, ao New York Times.
Com poucos sinais de que o regime esteja preparado para ceder, crescem especulações de que a oposição da Venezuela e os Estados Unidos adotarão medidas mais drásticas. Guaidó tuitou que, depois dos acontecimentos de sábado, ele "proporá formalmente à comunidade internacional que mantenha todas as opções em aberto" para libertar a Venezuela. Marco Rubio, senador americano influente na formulação da política dos Estados Unidos em relação à Venezuela, afirmou que "os graves crimes cometidos hoje pelo regime de Maduro abriram as portas para várias potenciais ações multilaterais que não estavam na mesa antes. 

Estas soam como ameaças para dar apoio a algum tipo de intervenção militar na Venezuela, opção que o presidente Donald Trump descartou repetidamente. A hashtag #IntervencionMilitarYA (intervenção militar agora, em tradução livre) ficou em destaque no Twitter, mas seria uma medida extremamente arriscada. Muitos venezuelanos podem encarar como libertadores soldados estrangeiros com a ajuda e a promessa de uma democracia restaurada. Mas muitos outros certamente consideram a sua chegada como uma confirmação das declarações de Maduro de que a oferta de ajuda é um disfarce para uma conspiração "imperialista" contra o país. A crise da Venezuela está longe de terminar.

The Economist - Tradução de Claudia Bozzo  - O Estado de São Paulo