Opinião
Dívida do Brasil com organizações internacionais ultrapassa R$ 4 bilhões
O desapreço do governo brasileiro por organizações internacionais vai além da retórica antimultilateral adotada pelo presidente Jair Bolsonaro e por seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Faltando apenas dois meses para o fim do ano, dificilmente o Brasil honrará os R$ 4,216 bilhões em compromissos assumidos em 2020 com a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre outras instituições. Desse montante, apenas R$ 15,4 milhões foram pagos até agora, segundo o Ministério da Economia. A pasta respondeu a pedido de informação feito pelo jornal Valor.
[não defendemos o isolamento total do Brasil em relação aos organismos internacionais. Mas, nos parece que já passa da hora do Brasil analisar a importância de cada um desses organismos internacionais e avaliar a importância de permanecer nos mesmos = vantagens e desvantagens.
Após, sentar com cada um desses organismos e negociar, dependendo da importância de cada um para o Brasil, novo valor para as contribuições e redução dos débitos.
Em um exame açodado se conclui que integrar a Unesco não tem grande valia, valendo o mesmo para a OIT e a OMS o desempenho pífio daquela organização - campeã em chutes fora, sobre como controlar a pandemia, avanços recuos, um dia pensa de uma forma e no outro mudou 180º - levante uma lebre: que benefícios o Brasil recebe participando daquela organização ou é aquele membro que só é lembrado na hora de ser cobrado? e a OCDE? E a FAO? - quantas vezes ajudou aos famintos do Brasil?
E a ONU? - a mãe de todas. Sempre que emite um parecer sobre matéria de interesse do Brasil é contra - será que sempre o Brasil está errado? lembram daquele parecer da 'comissão de boteco' da ONU em conjunto com a OEA queriam soltar um presidiário multicondenado?]
Com certeza é possível negociar e reduzir taxas. Para fechar: R$ 4,216 bilhões não é muita grana; dos recursos repassados pelo Poder Executivo - mediante coação dos demais Poderes - estão sobrando, segundo matéria do jornal Valor Econômico, R$ 31 bilhões para os governadores gastarem como, se, e onde quiserem.]
Em nota para lá de otimista, o Ministério da Economia ressaltou que “o exercício orçamentário de 2020 ainda está em andamento” e que, portanto, “ajustes à peça orçamentária estão sendo estudados e pagamentos serão realizados, caso haja espaço orçamentário no restante do ano”. A ressalva não está ali à toa. Como São Tomé, é ver para crer.
A
dívida brasileira com a ONU neste ano é de R$ 458,45 milhões. Com a OMS, de R$
84,44 milhões. À Unesco, o País deve R$ 28,77 milhões. À OIT, são R$ 90,32
milhões. Além desses compromissos, o Brasil não pagou sua participação em 13
missões de paz, 8 bancos multilaterais, em fundos internacionais e em outras
106 organizações intergovernamentais.
O
governo alega que a pandemia de covid-19 deteriorou as contas públicas neste
ano e dificultou o pagamento dos compromissos do Brasil com esses órgãos. De
fato. Mas convém lembrar que em 2019, quando o mundo ainda não era assombrado
pela ameaça do novo coronavírus, o País por pouco não perdeu direito a voto na
Assembleia-Geral da ONU, pagando às pressas uma parte da dívida com a
instituição. Ou seja, a pandemia só acentuou a reiterada falta de compromisso
do País com as entidades multilaterais das quais faz parte. [Dívida herdada do governo Temer que herdou do governo de sua antecessora petista. O governo Bolsonaro iniciou 2019 devendo a muitas organizações internacionais.]
Não
é de hoje que a ordem internacional baseada no multilateralismo está abalada.
Em parte, pelas próprias deficiências de organizações internacionais concebidas
no pós-guerra e que demandam algumas reformas urgentes para continuarem a ter
relevância no século 21. Mas é a hostilidade do presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump, contra a ordem liberal e democrática representada por
instituições como a ONU, a OMS, a Organização Mundial do Comércio (OMC), entre
outras, a principal causa do abalo que elas têm sofrido nos anos recentes. E
não só os de natureza política, mas também econômica. Afinal, a constrição financeira
é uma das formas mais eficazes de minar a atuação de uma organização
multilateral, sobretudo quando um grande contribuinte como os Estados Unidos é
governado por alguém tão hostil quanto Donald Trump.
Sob
a inspiração do presidente americano, outros líderes mundiais, como o
presidente Jair Bolsonaro, passaram a se sentir confortáveis em ficar
inadimplentes com organismos que representam a ordem internacional vigente que,
aliada a outros fatores, contribuiu para o progresso da humanidade sem precedentes
no século passado e muito ainda tem a contribuir nos anos vindouros.
É
claro que a dívida do Brasil com as organizações internacionais não tem o
caráter de retaliação que têm os substanciais cortes de recursos praticados
pelos Estados Unidos. O Brasil não tem poder para tanto. Mas o desdém de
Bolsonaro por essas instituições, calcado em uma espécie de respaldo da
contraparte norte-americana, tampouco o anima a quitar os débitos.
Amanhã os americanos decidirão quem presidirá o país nos próximos quatro anos. A depender da escolha, o multilateralismo pode recuperar boa parte da força perdida. O Brasil pleiteia assentos na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e no Conselho de Segurança da ONU, entre outros objetivos internacionais que dependem de uma boa atuação no concerto das nações. Convém estar em dia com suas obrigações.
Opinião - O Estado de S. Paulo - 2 novembro 2020