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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

A suruba não é só do Jucá

“Juquinha” prestou um serviço à nação com seu sincericídio, ao falar sobre o foro privilegiado 

Olha a cabeleira do Jucá, será que ele é, será que ele é? Conhecido na delação da Odebrecht como Caju, uma referência ao tom dos cabelos, hoje grisalhos, o presidente do PMDB e líder do governo no Congresso, senador Romero Jucá, poderia ter se eclipsado com uma fantasia de José Sarney, pioneiro na tendência acaju em Brasília. Era véspera de Carnaval, quando a capital fica deserta já na quarta-feira. Mas o senador pernambucano insistiu em continuar Jucá ou “o Juquinha” do Congresso. Prestou um serviço à nação, com seu sincericídio, ao falar sobre o foro privilegiado.

“Se acabar o foro, é para todo mundo. Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba, não uma suruba selecionada”,
disse ao jornal O Estado de S. Paulo. Jucá queria “estancar a sangria” da Lava Jato. Pela língua destravada, acabou exonerado do Ministério do Planejamento de Michel Temer 11 dias após ser nomeado. Jucá durou mais tempo como ministro da Previdência Social de Lula: quatro meses. Caiu por acusações de irregularidades com empréstimos bancários. Sangria não, suruba sim.

Traduzindo o raciocínio de Jucá: se for para acabar com o privilégio de políticos suspeitos, que só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal e não por nenhum “juizeco” (nas palavras de Renan Calheiros), que então se estenda o fim do foro para os presidentes, magistrados e procuradores. Nada de “prejudicar” só o Legislativo. Suruba precisa ser geral. Fim da suruba também. Para o Executivo e o Judiciário. Até aí, muita gente concorda. Só que o argumento deveria ser igualdade, e não vingança.


Meses antes de assumir a presidência do STF, Cármen Lúcia me falou sobre o foro privilegiado para parlamentares, presidentes e vice-presidentes da República. “Sou contrária a esse foro especial para qualquer pessoa. E já votei assim. Acho que qualquer um de nós tem de responder em igualdade de condições. Uma característica essencial da República é a igualdade. Temos ótimos juízes, competentes e sérios no Brasil. Não vejo nenhuma razão para que casos de algumas pessoas sejam transferidos para o Supremo.”

Durante quase uma hora, Jucá ocupou a tribuna do Senado para defender uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que estenderia aos presidentes do Senado, da Câmara e do STF as prerrogativas do presidente e vice-presidente da República, que não podem ser investigados por nada anterior ao mandato. Pegou tão mal que Jucá desistiu. Mas não amansou. Sob a desculpa de “modernizar uma lei que ficou anacrônica”, Jucá convoca todo mundo para a mesma cama.

Estamos longe de uma “suruba para todos”. O Supremo acaba de proibir o juiz Sergio Moro de investigar José Sarney, o imortal. Ou “o incomum”, assim entronizado por Lula, numa das piores passagens da biografia do petista, convenientemente esquecida por militantes. Lula livrou Sarney de um processo de cassação da presidência do Senado em 2009, acusado de fazer o que melhor sabia, favorecer secretamente parentes e aliados. Agora, Sarney pediu ao STF para não ser investigado por Moro por ter sido citado por Sérgio Machado junto a dois políticos com mandato: Renan Calheiros e Romero Jucá. Sempre eles. Bingo. Sarney é incomum. Foi acusado de receber R$ 18,5 milhões de propina da Transpetro por nove anos.

O senador que disputa com Moreira Franco o posto de melhor amigo de Temer pediu desculpas pela expressão “suruba”, mas parecia envaidecido com a repercussão. Disse ter se inspirado na letra de uma música irreverente. “Eu brinquei que assim não dá, senão vira a música dos Mamonas (Assassinas), a suruba portuguesa.” O refrão da música “Vira-vira” diz assim: Roda, roda e vira, solta a roda e vem/Neste raio de suruba, já me passaram a mão na bunda/E ainda não comi ninguém. Esse indivíduo é o favorito no PMDB para disputar a presidência do Senado em 2020.

Jucá não gosta de “parte da imprensa”, que segundo ele adota métodos do nazismo e da Inquisição. “Não dá chance a ninguém de se defender: escolhe aleatoriamente e parte para o estraçalhamento, sem se preocupar com a verdade, sem se preocupar com a família das pessoas, com a história de cada um.” Há uma parte da imprensa que ele gosta. Possui duas emissoras de televisão em Boa Vista, um jornal impresso e duas emissoras de rádio.


A suruba não se resume ao foro privilegiado. Engloba os maus costumes de Brasília. A folga de Carnaval dos deputados, por exemplo, vai durar 12 dias. Pensar que muitos só foram ao plenário na quarta-feira para registrar presença e não ter o dia descontado no fim do mês. E se mandaram para o aeroporto. Na Câmara, houve apenas uma sessão solene de homenagem aos 100 anos do Lions Club. Isso é piada, não é, Juquinha? Isso é suruba, não é, Jucá?

Fonte: Ruth de Aquino - Revista Época