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quarta-feira, 21 de julho de 2021

NÃO, A DOR NÃO É A MESMA - Dra. Débora Balzan

Há algum tempo comecei a desconfiar de pessoas “boas” e “suaves” demais. Foi quando no meu ambiente de trabalho ouvi de um “especialista” que a dor da mãe de um criminoso é a mesma que a dor da mãe da vítima. Foi na mesma época em que outra pessoa me chamou com uma expressão aparentemente engraçada, em tom de brincadeira, mas que tinha o peso do ódio do bem, “promotora talibã preferida”.

Pois, claríssimo para esse “especialista” que a mãe do bandido sofre por ele estar preso, olvidando que a vítima sofreu a decisão e as consequências do crime do filho. O criminoso teve escolha; a vítima, não, e a mãe a vítima também não. Mas não é que novamente isso foi repetido por outro  da mesma turma do bem quando por ocasião do filme Silenciados – que mostra muito sofrimento e desgraça nas vidas das vítimas e de seus familiares? Esse filme eu mesma fiz questão e consegui que fosse exibido para quem quisesse ver e com o objetivo de mostrar que existe um outro lado terrivelmente esquecido diria escondido e sem relevância depois que foi apresentado o filme Central, sobre o então Presídio Central de Porto Alegre, que achei – sem negar a necessidade de novas vagas prisionais e a sua precariedade - extremamente ideologizado e até doentio por parte de quem mostrou aqueles presos como que praticamente anjos fossem. Para mim, o objetivo nunca foi de serem construídos mais  presídios , mas o de vitimizar e até tornar alguns daqueles criminosos heróis e de pôr um sentimento de  culpa na sociedade, como se ela prendesse de forma indireta inocentes.  Foi essa a nítida impressão que tive.

Não é por coincidência que nesses estabelecimentos prisionais muitos, mas muitos presos, ganham remição por trabalhos não exercidos, seja por serem ofícios criados e que nunca seriam considerados trabalho, seja por determinação judicial para que o diretor do estabelecimento ateste algo que ele já disse não existir. Sim, a nossa Lei de Execução Penal prevê a remição de pena. Além de eu não ter conhecimento de existir isso em nenhum lugar do mundo, três dias trabalhados para desconto de um dia de pena, não acredito em trabalho real da maioria atestada, sem contar que em juízo muito comum se arredondar e dar de graça um dia a mais a favor de quem? Quem? É... a  dor é a mesma...

Puxa, também lembrei de uma reunião da qual participei em que uma das demandas trazidas pela pastoral carcerária  era aumentar o tempo de visita íntima, [nada de aumentar o tempo; tem é que acabar com a visita íntima e também a social - e controlar mais a de advogados - o bandido após condenado tem que ser esquecido do mundo exterior.] pois os criminosos estavam reclamando que era muito pouco. Nunca mais fui convidada para esse tipo de reunião...não iria mesmo, meu trabalho não é esse.

Bem, como todo o sistema é mau e os criminosos precisam ser tutelados e mimados, temos a nova modalidade de cumprimento da pena, a APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados -, onde os próprios apenados administram o local, até a segurança. Dito de outro modo: a chave fica com os condenados. Têm todas as regalias da lei de execução penal, só com um plus: eles se fiscalizam! O lema estampado na entrada é a frase: “aqui entra o homem e o crime fica lá fora”. Isso mesmo! Culpa zero! Vitimização alimentada! Além de a pena não ter essa conotação exclusiva e principal de “ressocializar”, mas o de prevenção geral e especial, os seus defensores fazem de tudo para tirar a única possibilidade de se arrependerem, que é o sentimento de culpa. 

Eu não saberia dizer como é feita a escolha dessas pessoas, mas uma coisa é certa: nunca passou por mim qualquer exame psiquiátrico e não se sabe quem é psicopata. Lembro vagamente uma pessoa dessa associação de proteção aos condenados pedir remição de pena por estudo mesmo sem o atestado (sim, o preso era do Paraná, e as escolas estavam em greve e ele, como condenado, queria essa regalia; os demais que precisassem de atestado para outros motivos, que esperassem!)  Ah! Mas a pessoa ressaltou era condenado por tráfico, crime sem violência! Vejam a mentalidade, não enxergam o estrago nas famílias e toda a rede de crimes com violência que envolve o tráfico.

 De tudo, acho, de verdade, que quem diz que a dor da mãe do criminoso é a mesma daquela da mãe da vítima é bandidólatra e tem sério desvio de foco da realidade e  de caráter. Acho gravíssimo alguém não saber a diferença entre vítima e algoz, certo e errado e bem do mal. Existem certas coisas na vida que repugnam as pessoas sadias, e, por mais que eu queira mais vagas para criminosos, jamais tenho uma gota de pena nem nunca vou tentar amá-los, como também já ouvi que temos que amar nossos inimigos. Falso pregador, pois não somos Deus e essa interpretação é forçada e nunca nos exime e dar a César o que é de César. Mas não me surpreendo, pois faz parte da relativização de tudo, da perda de valores básicos humanos. Existe uma cultura de impunidade e muita empulhação quando se fala em presos. Bandidólatras devem querer fugir de seus problemas pessoais e se exculpam tentando transformar monstros em anjos. Por isso, que tanto faz para mim ser chamada  de “promotora Talibã”, pois pobres de espírito e que desconhecem (será?) o que é um talibã. Não, não. Meu lado é o do mocinho.

A dor é a mesma de mães de estupradas, de assaltados, de assassinados, de desgraçados por drogas? Quem sabe é a mesma da faxineira ou da atendente de padaria (que madruga no seu trabalho e não ganha o dia pago se não trabalhar, como muitos presos ganham para fins de remição mesmo sem trabalhar) que teve seu filho morto quando levaram o celular que ela comprou para ele com amor está pagando em dez vezes?

Os pobres colhem o que os intelectuais semeiam (Theodore Dalrymple).

Nesse sentido, Volney Corrêa Leite de Moraes diz que o humanismo sadio é aquele que se volta para os trabalhadores, que não delinquem; e falso e hipócrita o humanismo é o que prodigaliza benesses aos que estupram, sequestram, roubam e matam.

Não, a dor não é a mesma. 

Publicado originalmente no Portal Tribuna Diária

Débora Balzan é Promotora de Justiça no MP/RS, atuando na Vara das Execuções Criminais

 



domingo, 17 de julho de 2016

A recuperação da confiança

O atual Centrão surgiu de fato durante o primeiro mandato de Lula, quando expedientes como o mensalão passaram a ser usados para cooptar uma ampla base parlamentar 

Em entrevista exclusiva publicada no Estado de sexta-feira, 15, o presidente em exercício Michel Temer manifestou a disposição de “desidratar essa coisa de Centrão” com o objetivo de promover a unificação da base situacionista na Câmara dos Deputados. Além de fortalecer a relação de independência e harmonia entre os Poderes Executivo e Legislativo, o fim do Centrão ajudaria a sanear as práticas fisiológicas que têm desvirtuado a missão constitucional da Casa de representação popular no Parlamento.

O atual Centrão é uma grande ação entre amigos que reúne pelo menos 217 deputados de 13 legendas partidárias. Isolados, eles têm inexpressivo valor parlamentar. O grupo não se pauta por diretrizes ideológicas ou programáticas, mas abriga setores da chamada Bancada BBB (Boi, Bíblia e Bala). Sua legenda emblemática talvez seja o PSD, partido que de acordo com seu fundador, Gilberto Kassab, não é de direita, nem de esquerda, nem de centro. Ou seja, está sempre aberto ao que de melhor aparecer. 

Foi assim que Kassab transferiu-se da oposição ao lulopetismo, passando da condição de líder mais expressivo do antigo PFL quando era prefeito de São Paulo à condição de conselheiro político e ministro das Cidades de Dilma Rousseff. Completou o salto triplo aninhando-se no regaço do governo interino como ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações.

Houve um Centrão criado na segunda metade dos anos 80 por representantes de partidos conservadores dispostos a influir no trabalho da Constituinte de 1988. Embora fosse diferente do atual na medida em que estava focado em pautas programáticas, o Centrão do governo Sarney, a quem dava apoio, inaugurou a era moderna do toma lá dá cá, explicitada no mote “é dando que se recebe”, nas palavras do nem um pouco franciscano deputado paulista Roberto Cardoso Alves.

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O atual Centrão surgiu de fato, embora ainda não fosse conhecido por esse nome, durante o primeiro mandato de Lula, quando expedientes como o mensalão passaram a ser usados para cooptar uma ampla base parlamentar. A principal razão para que não fosse então reconhecido com nome próprio um grupo parlamentar de apoio ao governo é que o dono exclusivo do poder era o PT, que jamais disfarçou o desprezo político pelos aliados, limitando-se a manter saciadas as suas ambições fisiológicas. Coube a Eduardo Cunha, já por volta de 2010, pouco antes de assumir a liderança do PMDB na Câmara, surgir como mentor do grupo que, integrado preponderantemente por deputados que a ele deviam favores – cargos públicos e patrocínios de campanhas –, acabou sendo conhecido como Centrão.

Pode-se argumentar que a existência do Centrão decorre do princípio de que a união faz a força. Mas que força e forças para quê? Sendo uma união para obter vantagens materiais ao sabor dos ventos da política, esses laços são inevitavelmente frágeis e rompem-se ao menor aumento da tensão. Foi o que aconteceu com o Centrão de Cunha. Aparentemente indestrutível na bonança, desmoronou-se antes mesmo que seu líder virasse carta fora do baralho.

E com isso, mudado o quadro político, tanto o chefe do governo provisório quanto o novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, demonstram a intenção de abrir um diálogo político amplo e em outras bases. Se bem-sucedido, esse diálogo estabelecerá um relacionamento mais sadio do Executivo com o Legislativo, descartando arranjos políticos de grande amplitude e mínimo efeito prático erigidos sobre bases puramente fisiológicas.

A recomposição da dignidade na lide parlamentar certamente levará o povo a reconsiderar o juízo que faz de seus representantes na política. Os atores que agora sobem à cena política com importância renovada acenam com a possibilidade de restabelecer o entendimento entre Câmara e Senado, para desobstruir a tramitação no Congresso de matérias urgentes da pauta econômica e das reformas estruturantes que o País reclama. Isso é muito importante. Mais ainda será se, impondo um padrão de seriedade à vida política, conseguirem eles restaurar a confiança popular no sistema representativo que o lulopetismo aviltou.

Fonte: Editorial - O Estadão