Há algum
tempo comecei a desconfiar de pessoas “boas” e “suaves” demais. Foi
quando no meu ambiente de trabalho ouvi de um “especialista” que a dor
da mãe de um criminoso é a mesma que a dor da mãe da vítima. Foi na
mesma época em que outra pessoa me chamou com uma expressão
aparentemente engraçada, em tom de brincadeira, mas que tinha o peso do
ódio do bem, “promotora talibã preferida”.
Pois,
claríssimo para esse “especialista” que a mãe do bandido sofre por ele
estar preso, olvidando que a vítima sofreu a decisão e as consequências
do crime do filho. O criminoso teve escolha; a vítima, não, e a mãe a
vítima também não. Mas não é que novamente isso foi repetido por outro
da mesma turma do bem quando por ocasião do filme Silenciados – que
mostra muito sofrimento e desgraça nas vidas das vítimas e de seus
familiares? Esse filme eu mesma fiz questão e consegui que fosse
exibido para quem quisesse ver e com o objetivo de mostrar que existe um
outro lado terrivelmente esquecido – diria escondido e sem relevância –
depois que foi apresentado o filme Central, sobre o então Presídio
Central de Porto Alegre, que achei – sem negar a necessidade de novas
vagas prisionais e a sua precariedade - extremamente ideologizado e até
doentio por parte de quem mostrou aqueles presos como que praticamente
anjos fossem. Para mim, o objetivo nunca foi de serem construídos mais
presídios , mas o de vitimizar e até tornar alguns daqueles criminosos
heróis e de pôr um sentimento de culpa na sociedade, como se ela
prendesse de forma indireta inocentes. Foi essa a nítida impressão que
tive.
Não é por
coincidência que nesses estabelecimentos prisionais muitos, mas muitos
presos, ganham remição por trabalhos não exercidos, seja por serem
ofícios criados e que nunca seriam considerados trabalho, seja por
determinação judicial para que o diretor do estabelecimento ateste algo
que ele já disse não existir. Sim, a nossa Lei de Execução Penal prevê a
remição de pena. Além de eu não ter conhecimento de existir isso em
nenhum lugar do mundo, três dias trabalhados para desconto de um dia de
pena, não acredito em trabalho real da maioria atestada, sem contar que
em juízo muito comum se arredondar e dar de graça um dia a mais a favor
de quem? Quem? É... a dor é a mesma...
Puxa, também
lembrei de uma reunião da qual participei em que uma das demandas
trazidas pela pastoral carcerária era aumentar o tempo de visita
íntima, [nada de aumentar o tempo; tem é que acabar com a visita íntima e também a social - e controlar mais a de advogados - o bandido após condenado tem que ser esquecido do mundo exterior.] pois os criminosos estavam reclamando que era muito pouco. Nunca
mais fui convidada para esse tipo de reunião...não iria mesmo, meu
trabalho não é esse.
Bem, como
todo o sistema é mau e os criminosos precisam ser tutelados e mimados,
temos a nova modalidade de cumprimento da pena, a APAC – Associação de
Proteção e Assistência aos Condenados -, onde os próprios apenados
administram o local, até a segurança. Dito de outro modo: a chave fica
com os condenados. Têm todas as regalias da lei de execução penal, só
com um plus: eles se fiscalizam! O lema estampado na entrada é a frase:
“aqui entra o homem e o crime fica lá fora”. Isso mesmo! Culpa zero!
Vitimização alimentada! Além de a pena não ter essa conotação exclusiva e
principal de “ressocializar”, mas o de prevenção geral e especial, os
seus defensores fazem de tudo para tirar a única possibilidade de se
arrependerem, que é o sentimento de culpa.
Eu não saberia dizer como é
feita a escolha dessas pessoas, mas uma coisa é certa: nunca passou por
mim qualquer exame psiquiátrico e não se sabe quem é psicopata. Lembro
vagamente uma pessoa dessa associação de proteção aos condenados pedir
remição de pena por estudo mesmo sem o atestado (sim, o preso era do
Paraná, e as escolas estavam em greve e ele, como condenado, queria essa
regalia; os demais que precisassem de atestado para outros motivos, que
esperassem!) Ah! Mas a pessoa ressaltou era condenado por tráfico,
crime sem violência! Vejam a mentalidade, não enxergam o estrago nas
famílias e toda a rede de crimes com violência que envolve o tráfico.
De tudo,
acho, de verdade, que quem diz que a dor da mãe do criminoso é a mesma
daquela da mãe da vítima é bandidólatra e tem sério desvio de foco da
realidade e de caráter. Acho gravíssimo alguém não saber a diferença
entre vítima e algoz, certo e errado e bem do mal. Existem certas coisas
na vida que repugnam as pessoas sadias, e, por mais que eu queira mais
vagas para criminosos, jamais tenho uma gota de pena nem nunca vou
tentar amá-los, como também já ouvi que temos que amar nossos inimigos.
Falso pregador, pois não somos Deus e essa interpretação é forçada e
nunca nos exime e dar a César o que é de César. Mas não me surpreendo,
pois faz parte da relativização de tudo, da perda de valores básicos
humanos. Existe uma cultura de impunidade e muita empulhação quando se
fala em presos. Bandidólatras devem querer fugir de seus problemas
pessoais e se exculpam tentando transformar monstros em anjos. Por isso,
que tanto faz para mim ser chamada de “promotora Talibã”, pois pobres
de espírito e que desconhecem (será?) o que é um talibã. Não, não. Meu
lado é o do mocinho.
A dor é a
mesma de mães de estupradas, de assaltados, de assassinados, de
desgraçados por drogas? Quem sabe é a mesma da faxineira ou da atendente
de padaria (que madruga no seu trabalho e não ganha o dia pago se não
trabalhar, como muitos presos ganham para fins de remição mesmo sem
trabalhar) que teve seu filho morto quando levaram o celular que ela
comprou para ele com amor está pagando em dez vezes?
Os pobres colhem o que os intelectuais semeiam (Theodore Dalrymple).
Nesse
sentido, Volney Corrêa Leite de Moraes diz que o humanismo sadio é
aquele que se volta para os trabalhadores, que não delinquem; e falso e
hipócrita o humanismo é o que prodigaliza benesses aos que estupram,
sequestram, roubam e matam.
Não, a dor não é a mesma.
Publicado originalmente no Portal Tribuna Diária
Débora Balzan é Promotora de Justiça no MP/RS, atuando na Vara das Execuções Criminais