VEJA
A autorização de prisão depois da segunda instância é um rio que corre para o mar — não tem volta
A voz, ou melhor, a grita corrente, denuncia como manobra protelatória o acordo ainda não escrito entre os presidentes da Câmara e do Senado em prol da concentração de esforços na proposta de emenda constitucional cujo teor, em miúdos, dá à segunda instância o caráter de trânsito em julgado, podendo o réu recorrer de aspectos formais do processo, mas já sem direito pleno à liberdade dado o esgotamento do exame das razões de autoria e materialidade do crime. O deputado Rodrigo Maia e o senador Davi Alcolumbre estariam, por essa versão, mancomunados com a ala dita garantista do Supremo Tribunal Federal para fazer a proposta morrer de inanição. Isso porque a ideia defendida por senadores de alterar a legislação ordinária mediante mudanças no Código de Processo Penal seria mais fácil e rapidamente aprovada. Uma emenda constitucional precisa ser votada em dois turnos nas duas Casas e ainda contar com quórum qualificado de 308 deputados e 49 senadores para ser aprovada. [o objetivo do 'primeiro-ministro' junto com o do presidente do Senado é cada um quer um caminho e assim não se sai do lugar;
o 'primeiro-ministro assume o ônus de defender uma proposta - emenda constitucional - que atrasa mais ainda o que já não anda.
Oque vale é deixar os bandidos condenados soltos, até que ...]
Ocorre que o mais fácil e rápido não necessariamente é o mais seguro. Um projeto de lei aprovado a toque de caixa poderia de novo esbarrar na cláusula pétrea sobre a presunção de inocência e ser derrubado no STF. Não poderia acontecer o mesmo com a emenda constitucional? Poderia, mas, a depender do encaminhamento da coisa, fica mais difícil. [o projeto de lei tem a seu favor que torna bem mais dificil para o Supremo julgar inconstitucional a alteração no Código Penal - além da riqueza de argumentos pró projeto de lei, não pode ser desprezado o pesado ônus do Supremo ao considerar inconstitucional as mudanças no Código Penal, pois estará ratificando o entendimento pró bandido em nova decisão, corroborando a recente e até hoje não digerida - enquanto a emenda constitucional, além da enrolação fácil de qualquer um dos presidentes do Poder Legislativo executar, se declarada incosntitucional e começar tudo de novo, anda mais lento que o projeto de lei.]
A começar pela consistência de um procedimento resultante de entendimento entre Câmara e Senado. Por mais que admitamos a hipótese de os presidentes das Casas não morrerem de amores pelo assunto, como de resto deixaram bem claro quando o presidente do Supremo jogou a bola para o Congresso, há o peso do conjunto de deputados e senadores, cujos humores são tocados pela opinião pública em casos rumorosos como esse.
E, aqui, chegamos ao ponto inicial da nossa conversa sobre as semelhanças entre o ambiente que levou à aprovação da Lei da Ficha Limpa e a atmosfera em torno da prisão depois do julgamento em segunda instância. Vejam o senhor e a senhora que Maia e Alcolumbre não puderam deixar o assunto de lado. Foram obrigados a tocar o barco. Da mesma forma como os grandes partidos (PT, MDB e PSDB) da época, em 2009 eles se viram forçados a abandonar a proposital indiferença à Ficha Limpa.
A proposta de iniciativa popular com mais de 1,6 milhão de assinaturas (o triplo do exigido para a criação de partidos) simplesmente dormia em comissão na Câmara sob a vista grossa de suas excelências de governo e oposição. A maioria não queria saber do assunto, e tudo sugeria que não iria adiante até que entrou em cena a opinião do público, incensada por uma ampla campanha de entidades civis, já sob o clima do escândalo do mensalão, cuja denúncia da Procuradoria-Geral da República havia sido aceita em 2007 pelo Supremo (o julgamento seria concluído cinco anos depois).
O apoio popular à prisão na segunda instância é primo-irmão da adesão à Lei da Ficha Limpa
Diante da pressão e com eleições marcadas para o ano seguinte, os
parlamentares não tiveram escolha a não ser aderir e aprovar a
inelegibilidade de candidatos condenados em segunda instância. Em maio
de 2010 a lei foi aprovada na Câmara e no Senado. Tramitação rápida, mas
muito mais simples do que a discutida agora por se tratar de questão
eleitoral. No entanto, os principais pontos de semelhança — pressão
popular, crescente apoio no Congresso e proximidade de eleições —
sustentam a impressão de que a autorização de prisão depois da segunda
instância é um rio que corre para o mar, não tem volta.Isso, bem entendido, se houver mobilização da sociedade, debate aprofundado em audiências públicas no Parlamento, boa costura política e consistente fundamento jurídico, a fim de que não se agrida a cláusula pétrea da presunção de inocência e todo o esforço desande sob o crivo do STF, que obviamente será chamado a dar a última palavra quando, e se, a proposta passar no Congresso. A pressa, nesse caso, pode funcionar como nefasta amiga da imperfeição. Também não seria aceitável a morosidade excessiva, típica das intenções protelatórias, porque o clamor está posto e não deixa margem a dúvida. Cabe às instituições encontrar o melhor jeito de adequar a demanda aos rigores da legalidade. [especialmente quando a instituição que vai decidir sobre a legalidade, não consegue esconder o interesse da maioria dos que a integram, em deixar tudo como está.]