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sábado, 3 de agosto de 2019

Constituição ruim vai gerar crises piores

Edição do Alerta Total
 
O que acontece quando poderes e poderosos sem controle, sem limites delimitados pela sociedade, resolvem guerrear entre si, sem parar? Acontece exatamente o que estamos vendo hoje no Brasil: uma guerra de todos contra todos os poderes. O resultado é a mais grave crise institucional nunca antes vista na História deste País. Quem reclama já perdeu... Todo mundo briga, e pouco importa quem tem razão. A próxima vítima pode ser qualquer um... Os poderosos só não querem, ou fingem não admitir, que tamanha crise é a conseqüência maléfica da péssima Constituição Federal de 1988 – que esgotou-se e tem de ser substituída por outra – que a sociedade brasileira comete o pecado mortal de não debater. Nesta omissão ou incompetência cidadã mora o perigo. A maior desgraça do Brasil é a insegurança do Direito. Não temos Democracia de verdade. O Crime Institucionalizado impõe sua ditadura com respaldo constitucional.

As fraturas institucionais ficaram expostas com o episódio criminoso no qual hackers, com clara motivação e patrocínio político, invadiram smartphones de “autoridades” de todos os poderes da República de Bruzundanga. A quantidade de “vítimas” da hackeagem causou pavor generalizado. Imagina se vem a público parte ou todo de algumas conversas e informações obtidas ilegalmente? A inconfidência teria potencial de assassinar a reputação de muita gente nos três poderes e na extrema-imprensa que também entra na dança. A briga de maior potencial destrutivo foi magistralmente descrita em uma entrevista rapidinha do gênio genioso Gilmar Mendes: “Esta é a maior crise que se abateu sobre o aparato judicial do Brasil desde a redemocratização. É a maior crise com o envolvimento de dois eixos chaves: a Justiça Federal, que está com seu prestígio muito abalado, e a PGR, que, na sua inteireza, está com o prestígio muito abalado. Ninguém quer saudar hackeamentos e iniciativas desse tipo, mas as revelações são extremamente graves”.

O constitucionalista Gilmar descreveu, direitinho, o caos. Fora de controle, os aparelhos repressivos do Estado-Ladrão tupiniquim estão se comendo vivos. As críticas dos envolvidos nas pancadarias ajudam a entender o cerne do problema. O Sindifisco nacional repudiou a decisão “arbitrária e inédita” do ministro Alexandre de Moraes de suspender todos os procedimentos investigatórios que atinjam autoridades (no caso, os supremos magistrados Gilmar Mendes, José Dias Toffoli e as esposas de ambos). O Sindifisco reclamou que Moraesocupa ilegalmente a dupla função de Ministério Público e de magistrado e que se trata de um verdadeiro tribunal de exceção, com objetivo claro de transformar poderosas autoridades públicas em contribuintes intocáveis”.

Especificamente sobre a “hackeagem” sofrida pelo coordenador da Força Tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, e outros membros do Ministério Público Federal, a Associação Nacional dos Procuradores da República também protestou que as decisões judiciais adotadas pelo ministro Moraes com base no inquérito número 4.781 colocam em xeque a isenção e a imparcialidade do Poder Judiciário e produzirão elementos nulos em qualquer processo. A entidade também advertiu que o Supremo Tribunal Federal não poderia requerer mensagens cujos “respectivos dados foram obtidos de forma criminosa, por meio de captação ilícita, violando os postulados do estado democrático de direito”. O fogo contra fogo entre STF e PGR escancara o problema estrutural: quem controla quem? Ministros do Supremo não podem ser investigados por procuradores da primeira instância federal, como Dallagnol e os demais integrantes da força-tarefa. Só podem ser investigados com autorização do próprio Supremo e pelo procurador-geral da República (aquele cargo que o Presidente Jair Bolsonaro não tem o direito de errar na escolha, porque seu ocupante tem o poder de ser o “processador” ou o “engavetador” de investigações, inquéritos e processos contra os superpoderosos).

No meio do quebra-pau com a PGR, alguns no Supremo ainda aproveitam para guerrear contra o Presidente Jair Bolsonaro. O ministro Celso de Mello aproveitou a vacilada na edição de uma mesma medida provisória sobre assunto idêntico na mesma legislatura (no caso da demarcação de reservas indígenas) para detonar:
“O comportamento do atual senhor presidente da República, revelado na reedição de medida provisória, clara e expressamente rejeitada pelo Congresso Nacional no curso da mesma sessão legislativa, traduz uma inaceitável transgressão à autoridade suprema da Constituição Federal, e representa uma inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação de poderes, consagrada, como sabemos, no artigo 2º da lei fundamental da República. É sempre preciso advertir, senhor presidente, que o regime de governo e as liberdades da sociedade civil muitas vezes expõem-se a um processo de quase imperceptível erosão, destruindo-se lenta e progressivamente pela ação ousada e atrevida, quando não usurpadora, dos poderes estatais".

Felizmente, no meio da pancadaria, aparece uma voz de lucidez. Aproveitando uma palestra pública no interior de São Paulo, o ministro Luís Roberto Barroso produziu a crítica mais sensata sobre a “hackeagem” em meio à guerra de todos contra todos e no combate da sociedade brasileira contra a corrupção sistêmica e o Crime Institucionalizado:
“É preciso estar atento porque parte da agenda brasileira hoje foi sequestrada por criminosos. É muito impressionante a quantidade de gente que está eufórica com os hackeadores, celebrando o crime e, na minha percepção, há mais fofocas do que fatos relevantes, apesar do esforço de se maximizarem esses fatos. Com um detalhe - e se tiver coisa errada, o que é certo é certo, o que errado é errado - porém, há um detalhe importante aqui. É que, apesar de todo estardalhaço que está sendo feito, nada encobre o fato de que a Petrobras foi devastada pela corrupção. Não importa o que saia nas gravações. A Petrobras precisou fazer um acordo de US$ 3 bilhões em Nova York com investidores estrangeiros, ou então o Judiciário americano faz parte da conspiração. Teve que fazer um acordo de mais de US$ 800 bilhões com o Departamento de Justiça americano, que certamente não fará parte de nenhuma conspiração. Portanto, nada encobre a corrupção sistêmica, estrutural e institucionalizada que houve no Brasil. É difícil entender a euforia que tomou muitos setores da sociedade diante dessa fofocada produzida por criminosos”.
  
Resumindo a salada de declarações polêmicas: a guerra de todos contra todos vai longe... Toda pancadaria é o resultado direto de uma Constituição Federal que precisa ser mais “interpretada” do que efetivamente “cumprida”. Esta Constituição Vilã não deixa claro quais são os limites investigatórios dos aparelhos repressivos estatais. Os abusos de autoridade acontecem e se repetem porque a Carta Magna permite que os poderosos controlem a sociedade, mas não o contrário: que a sociedade tenha controle direto sobre os poderes e seus agentes. Enquanto tal debate não for efetivamente realizado, a guerra de todos contra todos só vai aumentar, produzindo mais vítimas, de forma justa ou injusta. Os cidadão precisam ter a capacidade, prevista constitucionalmente, de fiscalizar e controlar, diretamente, todos os poderes da República. Sem o Controle Social Preventivo, nossas variadas “gestapos” estatais continuarão hegemônicas, promovendo “rigor seletivo” ou “impunidade conveniente” (duas facetas da falta de efetiva Democracia).

Quem sabe as coisas não começam a mudar mais depressa, agora que o Supremo Tribunal Federal também constatou que seus “deuses” também são alvos fáceis da falta de Democracia? Resumindo, novamente: Ou discutimos e desenhamos um Projeto Estratégico de Nação, com uma Constituição fácil de ser cumprida objetivamente, sem tantas interpretações supremas, ou seguiremos na guerra de todos contra tolos, sob domínio do Crime Institucionalizado...  
Por Jorge Serrão - transcrito Edição do Alerta Total