Número de óbitos por covid-19 no Brasil interrompe escalada acelerada, mas alcança um patamar muito elevado, na avaliação de especialistas. As atualizações diárias estão na casa de 40 mil casos e mil vidas perdidas. Analistas não enxergam diminuição sustentada
Previsto
para agosto pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o pico da
covid-19 no Brasil preocupa autoridades, pesquisadores e, também, a
população. No entanto, especialistas indicam ser possível que o país não
tenha um pico característico como o de outras nações afetadas pela
pandemia. Sem um controle efetivo do isolamento social e com a
flexibilização precoce das atividades comerciais, o Brasil vê os números
se estabilizarem em uma curva achatada por um maior período. O problema
é que o chamado platô (estabilização), visto atualmente na curva de
mortes pela doença, ocorre em um alto patamar, com atualizações diárias
na casa de mil óbitos. Para
Rodrigo José, plantonista de uma unidade de terapia intensiva (UTI) que
atende a pacientes com covid-19 em Curvelo (MG), “estamos tendendo a
ter um platô com um número muito alto de mortes por dia. Será que nossas
medidas estão sendo efetivas ou, na verdade, a gente está estabilizando
por uma ineficácia do que a gente deveria ter feito e não fizemos?”
[O Brasil está em um platô, mas tudo indica próximo da imunidade de rebanho.
Saiba mais, clicando aqui - estudo técnico explicando o funcionamento da imunidade de rebanho e como se comprova.
Duas situações não podemos esquecer:
O isolamento social de Manaus foi praticamente inexistente, testagem mínima, cadáveres enterrados em covas coletivas e agora já está desativando até hospital = tudo indica atingiu a imunidade de rebanho;
Distrito Federal, está em um pico de infecções - fez uma ridícula quarentena meia boca e agora segue uma política do abre, fecha abre - mas por três dias o número de recuperados supera o de infectados = indicio de uma provável imunidade de rebanho.]
Segundo
o médico do serviço de controle de infecção hospitalar do Hospital
Imaculada Conceição, a estabilização na casa das mil fatalidades reflete
negligência com a quarentena. “A gente vai vendo que há um relaxamento
de isolamento social e isso, de certa forma, vai mudando a
característica da transmissão da infecção do vírus no Brasil.
Consequentemente, dificulta para fazer a previsão de quando será esse
pico, se é que nós vamos ter um”, afirma. Ele lembra que o pico da
doença corresponde àquele período em que o país apresenta o maior número
de casos e mortes e, logo após, uma queda sustentada. É determinado,
portanto, posteriormente ao seu ocorrido.“Tem
que haver uma queda sustentada para definir que houve um pico. Dessa
forma, ele pode ser determinado de uma forma retrógrada, porque você vai
defini-lo depois que você passa por ele”, ressalta. Já o platô seria
uma fase posterior ao pico epidemiológico, no qual a curva apresenta
queda e faz um achatamento, mantendo uma constância.
Ao
analisar a curva do Brasil por semana epidemiológica, especialistas
ainda não conseguem ver uma queda sustentada — nem em relação aos
óbitos, nem em relação aos casos. Com o encerramento da 28ª semana
epidemiológica, ontem, o país mantém a média de registro das semanas
anteriores, não mostrando uma variação considerada significativa para
definir uma alteração na curva da pandemia. No entanto, é possível
observar que, enquanto se nota uma estabilização no número de óbitos há
algumas semanas, a quantidade de infectados continuou em crescimento,
ainda que em desaceleração. A primeira recessão ocorreu justamente entre
a semana 27 e 28, com queda de 0,2% em relação ao acumulado de novos
casos semanais, o que, ainda, não caracteriza uma tendência de platô.
Na avaliação do secretário de Vigilância do Ministério da Saúde, Arnaldo Correia, a dinâmica das novas confirmações é um reflexo do aumento da realização de testes da covid-19. “O número de casos novos tem aumentado e isso pode ser reflexo da capacidade de testagem do Brasil, que vem aumentando nas últimas semanas”, disse em coletiva de imprensa, na quarta-feira. Outro fator importante para avaliar em que estágio o país se encontra na pandemia é a taxa de reprodução de vírus, chamada de Rt. O dado é relevante porque ajuda governantes a definirem qual a melhor hora para optar pela flexibilização do isolamento social. “O recomendado é que essa taxa esteja abaixo de 1, mas o ideal, mesmo, é abaixo de 0,8. Quando Wuhan reabriu, na China, ela estava com a taxa em torno de 0,3. Na Alemanha, a retomada aconteceu com a taxa de 0,75”, explica o plantonista do Hospital Imaculada Conceição, Rodrigo José.
Em
meio à onda de flexibilização brasileira, as taxas de contágio (Rt) da
covid voltaram a subir. Na nova avaliação do Imperial College de
Londres, o Brasil, que na semana passada chegou perto de atingir níveis
considerados controlados da transmissão, sofreu um retrocesso e aumentou
a Rt para 1,11, ou seja, cada grupo de cem pessoas infectadas transmite
o vírus para outras 111.
Em abril, com Rt de
2,3, o país chegou a ocupar o primeiro lugar no ranking de nações com
maior descontrole da doença. Já no fechamento da 26ª semana, chegou
próximo de sair do rol de disseminação ativa, com Rt de 1,03. Taxas
acima de 1 significam que o contágio está descontrolado, não sendo
possível rastrear com precisão o caminho do vírus. Com a atualização, o
Brasil se mantém pela 11ª semana entre os países com transmissão ativa,
sendo os Estados Unidos o país com mais longa permanência neste patamar.
Por
outro lado, o Brasil tem apresentado melhoras graduais em relação às
subnotificações, um dos critérios necessários para conseguir identificar
e conter a transmissão da covid-19. Com o fechamento da semana 27, de
28 de junho a 4 de julho, o Imperial College calcula que a nação reporta
43,9% dos casos. No balanço anterior, o índice estava em 36,3%. Em
relação ao início de abril, o avanço foi significativo, já que, à época,
o país só registrava 10,4% das infecções.
Dizer
que o país vive uma única curva, para a especialista, não retrata a
realidade continental do Brasil, que observa diferentes etapas de
contágio no momento. Sem vacina, no entanto, todas as localidades estão
sujeitas a novas elevações da curva, se não houver cuidado. “Em pouco
tempo, países já estão experimentando algumas recrudescências e fazem
intervenções. Não necessariamente voltarão os picos com tantas mortes,
já que uma parcela da população já se infectou. Estamos iniciando um
momento novo, mas a pandemia não acabou. Teremos que aprender a conviver
com o vírus, porque ele vai continuar circulando. Conviver com esse
vírus é não relaxar nas medidas, fazer a nossa parte”, orienta a
infectologista.
Correio Braziliense