O Estado de S.Paulo
A guerra da PGR contra a Lava Jato está só começando e pode virar uma devassa
A guerra da Procuradoria-Geral da República (PGR) com a força-tarefa da
Lava Jato está só começando, com troca de críticas em público e de
acusações nos bastidores. Vem aí uma devassa numa operação anticorrupção
que ganhou fama mundo afora, mobilizou o Brasil e, com a prisão de um
ex-presidente, ex-governadores, ex-presidentes da Câmara e os maiores
empreiteiros do País, gerou a esperança de que a lei valeria para todos.
Segundo o procurador-geral, Augusto Aras, em conversa ontem com a
coluna, “não se trata de linchar quem quer que seja, até porque isso
seria cair nos mesmos vícios”. Ele, porém, admite: “Mas é preciso
corrigir rumos e seguir regras universais para todos os procuradores.
Não podemos ter animais que são mais iguais do que os outros, como em A
Revolução dos Bichos (George Orwell)”.
Aras não diz isso tão claramente quanto outros integrantes da PGR, mas a
avaliação é de que a Lava Jato foi ótima, até “virarem a chave”. Ou
seja, até os procuradores de Curitiba passarem a ultrapassar limites e
driblar a falta de provas. Assim, há um “esgotamento” do modelo e é
preciso transparência e tirar o excesso de poder e voluntarismo da Lava
Jato, garantindo compartilhamento de dados e a participação da PGR. “Eu
sou procurador-geral e não tenho o direito de saber o que acontece em
Curitiba?”, reclama Aras. [convenhamos que é algo inaceitável, restringir o acesso do procurador-geral a uma operação;
tudo isso devido: boicote dos procuradores ao procurador-geral, devido o presidente da República não ter aceito a imposição que os membros do MPF pretendiam: escolher o chefe da PGR entre os escolhidos pelos que seriam chefiados pelo escolhido.
Transformaria o chefe da PGR em reféns dos subalternos e o a PGR em um sindicato.]
Isso cria mais uma situação estranha num ambiente político já tão
estranho. A PGR de Aras, acusado de “bolsonarista”, faz um discurso
semelhante ao do PT quando o foco é Lava Jato e Curitiba, algozes do
ex-presidente Lula. Como ficam os petistas?
Contra Aras, mas a favor da
intervenção na Lava Jato?
Ou contra tudo e todos?
Aliás, pouco se fala sobre isso, mas o procurador-geral tem tomado
sucessivas decisões que contrariam o Planalto. Exemplos: no combate à
pandemia; na denúncia contra o deputado Arthur Lira (PP), do Centrão e
aliado do presidente Jair Bolsonaro; nas “apurações preliminares” sobre
declarações do deputado Eduardo Bolsonaro e do general Augusto Heleno
(GSI) com viés antidemocrático. O seu teste de fogo, porém, será
denunciar ou não Bolsonaro por intervenção política na PF. [um procurador-geral, isento, imparcial, como se espera que Aras seja, só denuncia os que cometeram crimes e com base em provas.
Assim, para manter a isenção e imparcialidade dele esperadas, Aras não tem elementos para denunciar o presidente.]
O fato é que as acusações da PGR contra a Lava Jato, e da Lava Jato
contra a PGR, vão piorar, com forte questionamento a ações e decisões de
Curitiba. Na lista, as delações premiadas. Na avaliação da PGR e outros
órgãos de controle, as multas aplicadas aos delatores não chegam a 10%
de um valor razoável e eles estão leves, livres, soltos – e nadando em
dinheiro desviado. Na versão da Lava Jato, a intenção da PGR e do próprio Aras é destruir
não só a operação, mas o próprio combate à corrupção. Eles dizem que é o
oposto: retomar e aprofundar o combate à corrupção, que parou, em novas
bases e práticas. Eles acusam a força-tarefa de ter engavetado 1.450
relatórios prontos, sem nenhuma consequência.
A lista da Lava Jato divulgada pelo site Poder 360, camuflando
investigações indevidas contra os presidentes da Câmara (“Rodrigo
Felinto”) e do Senado (“David Samuel”), foi só um aperitivo para tentar
provar o uso de “métodos heterodoxos” da força-tarefa. Eles também não
usavam simples gravadores, mas sim interceptadores. Ou seja: a PGR
suspeita que grampeavam seus alvos sem autorização judicial. Nessa guerra, ninguém está totalmente certo nem errado, mas a previsão é
de que, entre mortos e feridos, os mais atingidos sejam os líderes da
Lava Jato que tanta esperança trouxeram ao Brasil. Aí se chega a Sérgio
Moro, o inimigo número um do PT, que passou a ser também dos
bolsonaristas e agora corre o risco de ver a Lava Jato, a maior operação
de combate à corrupção da história, virar um sonho de verão – ou um
pesadelo. [Moro não tem direito a reclamar, caso a operação que o projetou como paladino do combate ao crime vire um sonho de verão.
Afinal, a ambição desmedida de Moro, os efeitos da picada da 'mosca azul', transformaram o modelo de modalidade de milhões de brasileiros em sonho de verão.
A conduta desastrada de Moro, somada a sua ambição política desmedida, é que estão abrindo caminho para a destruição da Lava Jato.]
Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo