Análise Política
O primeiro foi abatido na decolagem, quando se desenhou mais como
iniciativa de organização político-popular do que como ação de combate à
fome propriamente dita. O segundo morreu de morte morrida mesmo, quando
a sempre repetida tese de que as contratações são estimuladas quando se
removem direitos trabalhistas colheu um primeiro fracasso (seriam
vários).
Qual a diferença, porém, com os desencontros de hoje, que se estão longe
de serem graves mostram-se sintomáticos? Vinte anos atrás tateava-se
para adiante, e agora os ruídos parecem decorrer de uma pilotagem de
olho no retrovisor.
Até certo ponto, o governo comandado pelo PT parece ter alguma
dificuldade para ganhar velocidade por ter um foco excessivo em falar
mal, procurar defeitos e desfazer ações do antecessor, ou antecessores
(entra aí a administração que sucedeu a de Dilma Rousseff).
Fez sentido que a propaganda eleitoral petista tenha aproveitado o
impulso proporcionado pela ideia, habilmente disseminada, de que o país
está destruído e é preciso reconstruí-lo. Eleições vencem-se também por
saber navegar e potencializar estados emocionais.
Mas, se o antibolsonarismo parece ter sido suficiente para a colheita
dos votos decisivos na eleição de outubro, persistir nele como centro da
narrativa traz pelo menos duas complicações: 1) obriga a recuos quando
se pretende fazer tábula rasa de eventuais avanços do período anterior; e
2) secundariza-se o coração da narrativa de qualquer governo de
sucesso, ser um instrumento para a construção de um futuro melhor.
Sem contar que nunca se falou tanto num candidato derrotado. Bolsonaro
continua no palco iluminado, agora pela mão dos adversários.
O principal risco político para a nova administração é continuar ocupada
com a guerra cultural-propagandística contra a anterior enquanto se
deterioram as condições econômicas do povão.
Sempre se poderá, é claro, evocar alguma herança maldita, mas não é certo que venha a resolver o problema.
Até porque o bolsonarismo preserva, como começam a mostrar os
levantamentos, forte base social. E mantém uma militância mobilizada
para a guerra cultural e de narrativas.
O governo tem só uma semana, e o presidente parece ter-se dado conta da necessidade de um freio de arrumação. Mais que um freio, talvez seja necessária alguma correção de rota. Lula ainda tem tempo.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político