Falando em nome de uma lei que não existe, o doutor já se coloca como ombudsman da sucessora de Janot e contribui objetivamente para difamá-la. Quem vai enquadrar esses malucos na lei?
Carlos Fernando, o mais virulento, ainda
que não midiático, dos procuradores de Curitiba (a estrela é Deltan
Dallganol), já resolveu se comportar como se fosse chefe ou ombudsman de
Raquel Dodge, futura procuradora-geral da República. Em um evento sobre
compliance, este senhor afirmou que a futura procuradora tem de se
explicar sobre encontro com o presidente da República, que se deu fora
da agenda, como não se cansa de noticiar por aí. Será que todos os
encontros de Rodrigo Janot com o próprio presidente e com outros
figurões da República, como deputados e senadores, estavam marcados?
Vamos lembrar? Janot se encontrou,
secretamente, com José Eduardo Cardozo, então ministro da Justiça, em
Buenos Aires, no dia 22 de novembro de 2014. Temer não é obrigado a
divulgar a sua agenda. Mas o titular da Justiça é, sim. É o fim da
picada! No dia 24 de fevereiro de 2015, houve outro encontro realmente
secreto entre o procurador-geral e o ministro petista. Aguardava-se para
aquela semana a chamada “Primeira Lista de Janot”. Como a coisa veio a
público, ele esperou um pouquinho. Os nomes das pessoas que Janot queria
investigar foram divulgados só no dia 6 de março daquele ano.
O que os dois discutiram? Ninguém quis
revelar. Em Brasília, tinha-se uma certeza: a lista havia sido tema da
conversa. Escrevo de novo: segundo a Lei 12.813, Cardozo era, sim,
obrigado a divulgar a sua agenda. Que desculpa se deu? Ah, teria sido
uma coisa fortuita, um mero acaso. E ficou tudo por isso mesmo! Raquel
Dodge, como fica claro, pediu uma audiência por escrito.
Cheguei a censurar doutora Raquel hoje
de manhã por ter divulgado o e-mail. Como se nota, ela estava, de algum
modo, dando trela aos sequestradores de sua reputação, como faz Carlos
Fernando, o homem que agride de maneira sistemática, determinada e
metódica a Lei Complementar nº 75, que dispõe sobre a “organização, as
atribuições e o estatuto do Ministério Público da União”.
Raquel não será a dona do Conselho
Nacional do Ministério Público Federal. Tampouco mandará na
Corregedoria. Mas se espera que, com a voz influente de uma
procuradora-geral, cobre que tais órgãos enquadrem os comportamentos e
falas que avancem a linha que separa o rigor da delinquência. Como se Raquel, e não ele próprio,
estivesse atuando fora de sua competência, afirmou Carlos Fernando: “Ela
deu uma explicação e tem que ser cobrada pelas consequências desse
ato”. Quais consequências? De que ato ele está falando? Observem que a
criminalização do nada, que passou a ser a tarefa principal da Lava
Jato, agora atinge membros do próprio Ministério Público que a Seita de
Curitiba toma como adversários.
Em tal evento, o doutor desceu o pau nas
escolhas do Congresso, atacou de forma indisfarçável prerrogativas do
Poder e chegou a sugerir que o brasileiro não é um povo avançado o
bastante. Vale dizer: o doutor transgredia uma penca de disposições do
estatuto que rege a sua atividade. E, no entanto, resolveu se colocar
como o bedel de Dodge: “Todo funcionário público é responsável pelos
atos que tem. Infelizmente não há como fugir da responsabilização
perante a sociedade.” Ele conferiu uma palestra sobre investigações
anticorrupção, em fórum organizado pela Amcham (Câmara Americana de
Comércio).
Observem que ele não diz que o
funcionário público é obrigado a responder por seus atos segundo a lei.
Ele escolhe como fórum “a sociedade”. Entenderam? Para gente como Carlos
Fernando, o que importa é o alarido. A quem atende? A Rodrigo Janot, o homem
que celebrou o acordo com Joesley Batista, que é, este sim, personagem
do maior escândalo da história do país. Considerando a impunidade
garantida ao criminoso, é mais vexaminoso do que o próprio petrolão. Se
Carlos Fernando combinou ou não com Janot o ataque a Raquel Dodge, não
sei. Mas a sua fala se afina com a do ainda procurador-geral. Em recente
entrevista à Folha, além de ameaçar o presidente da República, Janot
expressou o temor de que sua sucessora passasse a atuar como
engavetadora de investigações.
Carlos Fernando não age mais como
procurador da República. Hoje, é um militante político. Se o Conselho
Nacional do Ministério Público e a Corregedoria do órgão não os
enquadrarem e a outros nos dispositivos da lei, teremos um Ministério
Público que não mais zelará pelos fundamentos da República e pela defesa
dos interesses dos cidadãos. Ao contrário: o MPF passará a ser a sede
de uma seita disposta a, se necessário, em nome de suas idiossincrasias e
de seus próprios preconceitos, levar o país ao abismo.
Tornaram-se os fanáticos do próprio oportunismo.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo