A reclamação da AGU no STF a respeito das gravações da conversa entre o ex-presidente Lula e a presidente Dilma pode ter sido um tiro no pé para ela
STF decidirá se Dilma tentou obstruir a Justiça
A reclamação que resultou na decisão do ministro Teori Zavascki de levar para o Supremo Tribunal Federal o processo do ex-presidente Lula que estava em Curitiba com o Juiz Sérgio Moro pode ter duas consequências: ou a presidente Dilma Rousseff está de alguma forma envolvida em uma tentativa de obstrução da Justiça, e nesse caso o Procurador vai pedir uma abertura de inquérito contra ela, ou vai dizer que não há razão para abrir inquérito.Nos dois casos, o mais provável é que processo relativo ao ex-presidente Lula volte para o Juiz Sérgio Moro em Curitiba. No primeiro caso, o ministro Teori Zavascki analisará se há necessidade de manter o resto da investigação no Supremo. Pelas decisões assemelhadas, dificilmente o Supremo vai ficar investigando triplex no Guarujá ou sítio em Atibaia. Essa ação não tem nada a ver com os mandados de segurança contra a posse de Lula no ministério, que já foi objeto da decisão do ministro Gilmar Mendes. O ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, respondendo a uma reclamação dos advogados do ex-presidente Lula, disse hoje de manhã ao presidente do Supremo Ricardo Lewandowski que considerava o ministro Gilmar Mendes o juiz competente para decidir sobre os mandados de segurança contra a posse de Lula no ministério de Dilma.
O ministro Zavascki disse que se considerava competente para analisar as ADPFs (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), mas que isso não causa prevenção em relação aos mandados de segurança. Na verdade, a decisão do ministro Teori Zavascki de requerer o processo do ex-presidente Lula não tem nada que já não tenha sido decidida pelo Supremo Tribunal Federal.
O fato é o seguinte: havia em curso no Paraná vários inquéritos envolvendo o ex-presidente Lula, e no âmbito desses inquéritos foi decretada a quebra do sigilo telefônico, e captadas várias conversas. Algumas dessas conversas envolviam a presidente da República, uma onde teria ficado demonstrado que a presidente tentou obstruir a Justiça, obstruir justamente essas investigações.
O que deveria ter acontecido: independentemente de se tratar da nomeação do ex-presidente Lula para o ministério, o fato de ter havido uma possível tentativa de obstrução da Justiça por parte da presidente levaria automaticamente à imediata remessa dos autos para o Supremo Tribunal Federal. Isso aconteceu em outras oportunidades, desde o primeiro caso do Paulo Roberto Costa. Como houve a autorização de divulgação, o ministro Teori Zavascki recebeu uma reclamação da presidente Dilma Rousseff, através da Advocacia-Geral da União (AGU), alegando que ela tem prerrogativa de foro.
A decisão dele foi tomada em duas áreas:
1 – Mandar tudo para o STF, como tem acontecido outras vezes, e o Supremo vai, ouvido o Ministério Público, dizer se a presidente obstruiu ou não, se é caso de abrir um inquérito contra a presidente. Isso quem vai dizer é o Procurador-geral da República Rodrigo Janot. [o ingrato, segundo Lula.] Se ele disser que não aconteceu nada, não há indício de obstrução, o ministro Zavascki mandará tudo de volta imediatamente para o Juiz Sérgio Moro.
2 – Zavascki mandou também sustar imediatamente a divulgação desses áudios, restabelecendo o sigilo, embora reconhecendo que a esta altura, do ponto de vista prático, não há o que fazer. Mas ele, com isso, tenta minimizar o estrago que considera ter sido feito.
Nesse intervalo, enquanto não houver uma decisão, qualquer investigação que seja necessária, que não possa ser adiada, será feita pelo Supremo. Nesse momento a competência é do Supremo. Provavelmente a decisão final do STF será manter o que vem sendo feito desde o início da Operação Lava-Jato, separar os que têm foro privilegiado.
Em raros casos o Supremo manteve o processo de quem não tinha foro privilegiado, como num envolvendo o deputado Eduardo Cunha, quando se decidiu manter uma prefeita. A experiência do mensalão mostrou aos ministros que é melhor para a finalidade da Justiça ficar com o Supremo apenas os casos de quem tem foro privilegiado. O ministro Teori Zavascki comentou em sua decisão a incompetência do Juiz Moro para abrir o sigilo por que tinha que decidir sobre isso. Mas o ministro não analisará essa questão neste caso específico. O Supremo ainda vai decidir se a prova é válida ou se pode ser anulada, quando analisar a decisão sobre os mandados de segurança sustando a posse de Lula como ministro.
Nos bastidores do Supremo há o temor de que a própria União possa ser responsabilizada por eventuais vazamentos. Muita coisa que está vazando não tem nada a ver com a investigação, são coisas privadas, a avaliação é de que não se teve o menor cuidado.
Fonte: Merval Pereira - O Globo