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terça-feira, 6 de junho de 2023

De ponta-cabeça - Liminar de Moraes de Alexandre impede indicação de Zanin ao STF - Paulo Polzonoff

Vozes - Gazeta do Povo

"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

Alexandre de Moraes mundo bizarro
Moraes de Alexandre: o ministro constitucionalista e virtuoso do mundo bizarro. - Foto: Montagem

Estou há quase um mês tentando escrever esta história que se passa no mundo bizarro. Aquele onde tudo é mais ou menos o contrário do nosso mundo real. Culpa de um amigo que me deu a ideia. Tremendo presente de grego, hein?! Agora, não se passa um só dia sem que eu me arrependa de ter aceitado a incumbência, com direito a “por que eu não pensei nisso antes?” e tudo.

O problema é que, desde que me pus a imaginar o mundo bizarro (que na verdade é só um Brasil bizarramente normal), não fui além do protagonista, inteligentemente batizado pelo amigo de Moraes de Alexandre. Que é o avesso, por dentro e por fora, do ministríssimo alexandríssimo de moraesíssimo, como se pode ver por suas longas madeixas loiras (foto) e por suas decisões rigorosamente constitucionais. “Juiz tem que ter justo” – essa é a frase pela qual, lá no mundo bizarro, Moraes de Alexandre há de ser lembrado. E admirado!

Mas minha imaginação só foi até aí. Porque para criar um Moraes de Alexandre capaz de, por exemplo, vetar a indicação de Zanin Cristiano ao FTS (o Federal Tribunal Superior), seria preciso bem mais do que lhe dar uma peruca de surfista e mudar a ordem do seu nome. 
Seria preciso torcer e torcer e torcer a lógica histórica. A tal ponto que a história ficaria incompreensível para o leitor. Afinal, como explicar que no mundo bizarro Lula tenha sido eleito presidente? E pela terceira vez? E ainda mais depois de uma campanha em defesa do voto auditável, encabeçada por ninguém menos do que Luís Roberto Barroso?
 
Aliás, convém explicar que, na época em que o amigo me deu a ideia, a indicação de Zanin ao STF era uma possibilidade que só os loucos hiperbólicos levavam a sério. Nem os petistas acreditavam que Lula desceria tão baixo.  
Por isso na história original Moraes de Alexandre nem cogitava dar uma liminar impedindo a palhaçada lulista e as decisões dele tinham a ver com Janones André, Rodrigues Randolfe, Dino Flávio. Esse povo aí. 
Tinha até uma parte em que multidões, lideradas pela tchurma da MPB, saíam as ruas em defesa da liberdade e da justiça.

Bizarramente normal
E aqui você, que é um leitor atento, percebeu mais uma incongruência da história. Não adianta. Pau que nasce torto, etc. Afinal, se Moraes de Alexandre fosse mesmo bizarramente normal, jamais censuraria quem quer que fosse. Logo, nesse Brasil de ponta-cabeça não haveria motivos nem mesmo para os octogenários da MPB se darem ao trabalho de protestar. (Viu como era difícil?).

O desafio, porém, estava posto e eu não sou desses que desistem diante do primeiro, segundo ou décimo obstáculo. Me sentei para escrever. “Vez uma era...”, comecei, na esperança de que a gracinha não passasse despercebida pelo leitor. Lula virou Lalu. Nas ruas, os carros andavam de ré. A chuva caía para cima. Osasco era ponto turístico. O Coxa era tricampeão da Libertadores. Homens vestiam roupas de mulheres e as mulheres... Se bem que é melhor parar por aqui.

Até que chegou a hora da indicação de Zanin ao FTS. Travei.
Porque no mundo bizarro como eu o imagino, Zanin Cristiano é um homem decente. Um advogado das antigas. Que defendeu Lalu não por interesse financeiro, afinidade ideológica ou ambição jurídico-política. Na história, Zanin Cristiano defendeu Lalu porque acreditava que até mesmo o político mais pilantra do mundo tinha direito à defesa. Não é assim no mundo normal?

De acordo com essa sua natureza bizarramente honesta, portanto, ao ser indicado por Lalu à vaga no STF ou FTS (já nem sei mais), o Zanin do mundo invertido se viu obrigado a recusar a questionável honraria – e bota questionável nisso! De modo que não haveria sequer indicação para Moraes de Alexandre vetar.

Diante desse impasse lógico e temendo que o excesso de ironia, referências e firulas tornasse o texto ilegível, sem falar na minha incapacidade de retratar as muitas dificuldades bizarras que enfrentamos à luz de um mundo minimamente normal, desisti. 
Ou, por outra, escrevi o texto que você lê neste momento. 
De qualquer forma, saiba que no mundo bizarro aquele milagre que não nos salvará, mas ao menos nos trará algum alívio, acabou de acontecer.


Notas: (1) peço desculpas ao meu amigo de fé e irmão camarada Jones Rossi. Não é a primeira vez que falho ao tentar dar forma a uma ideia dele; (2) queria ter publicado o texto de cabeça para baixo, com o último parágrafo no lugar do primeiro, e assim por diante. Só para constar.

Paulo Polzonoff Jr., colunista - Gazeta do Povo - VOZES