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sexta-feira, 13 de maio de 2016

O crepúsculo das esquerdas latino-americanas



Um por um, vários símbolos tombam. A gigantesca transição política coloca em xeque a solidez das democracias da região

Um após outro, os ícones das esquerdas latino-americanas caem como peças de um dominó que avança de forma inexorável. Deve-se falar em esquerdas, no plural, pois os projetos políticos encarnados pelo chavismo, pelo kirchnerismo, pelo PT brasileiro ou por Evo Morales são diferentes entre si. Mas é de uma evidência cristalina o fato de que grande parte das formações soi-disant progressistas do subcontinente, que dominaram o cenário durante uma longa década, já escutam soar suas badaladas fúnebres.

O chavismo, que conduz a Venezuela rumo a uma hiperinflação de estilo zimbabuense em meio a taxas de criminalidade terríveis, sofreu uma derrota acachapante nas últimas eleições legislativas; o kirchnerismo foi despejado da Casa Rosada; Evo Morales recebeu um sonoro não diante do seu desejo de se perpetuar no poder; até mesmo Michelle Bachelet  vê fendas enormes se abrirem em sua antiga reputação impoluta devido às manobras realizadas por seu filho; agora, o projeto político inaugurado pelo carismático Lula, mantido por Rousseff e admirado, à sua hora, por meio mundo, sofre o seu próprio Armagedon, com o impeachment de vento em popa e o país inteiro se afundando no gelo da recessão e na lama da corrupção.

O que levou a esse Crepúsculo dos Deuses (Götterdämmerung, a quarta e última ópera do ciclo do Anel dos Nibelungos), de dramaticidade wagneriana? Obviamente, cada caso tem as suas próprias explicações. Mas é possível listar alguns denominadores comuns. Sem dúvida, o fim da bonança em relação às matérias primas fez secar abruptamente o fluxo de dinheiro que financiou boa parte da festa na região. Com níveis distintos, todos esses projetos enfocaram bastante a redistribuição de renda, mas talvez não atentaram o suficiente para o fomento da geração de riqueza, investimento, diversificação.
 
Burocracias desesperadoras, protecionismo, corrupção e expropriações em diferentes gradações, conforme o caso, não ajudaram em nada a vários países da região a se prepararem para a violenta aterrissagem por que passam agora.

Por outro lado, a perpetuação no poder é sempre tóxica, e tende a gerar excrescências tumorais corruptas até mesmo nos lares com credenciais democráticas das mais consolidadas. Contra esses cânceres, trava-se neste momento, em vários países da região, uma verdadeira ofensiva judicial, por vezes bastante violenta (era mesmo necessário deter Lula para que ele desse depoimento?); esse aspecto, que à primeira vista deixaria Montesquieu feliz, se transforma muito rapidamente de virtude em vício quando adquire os traços de uma luta política por meios judiciais.

A questão do equilíbrio entre os poderes traz à tona os grandes riscos de ordem sistêmica que a América Latina enfrenta nessa gigantesca transição política regional. Quase todos os pilares imprescindíveis de uma vida democrática saudável estão sendo – e serão – submetidos a duras provas. Oxalá as diferentes sociedades civis, cada vez mais amadurecidas, consigam encaixar essa mudança política nos trilhos de uma alternância democrática ordenada, com políticas inclusivas inteligentes, com admissão leal das derrotas, com vitórias que evitem gestos revanchistas que normalmente levam apenas a incêndios políticos e à miséria econômica. Parafraseando o célebre desafio lançado por Dante ao seu próprio intelecto ao empreender a construção da Divina Comédia: América Latina, “qui si parrà la tua nobilitate”. Aqui se medirá a sua nobreza, a sua capacidade de realizar uma tarefa que se anuncia como descomunal. Boa sorte.

Fonte: El País


terça-feira, 1 de março de 2016

Um verão inesquecível



Hoje estão sob investigação a presidente e o vice; três ex-presidentes da República; presidentes do Senado e da Câmara e mais 25% dos deputados e senadores
Nunca houve um fim de verão como este. Na chegada das águas de março, assiste-se à perplexidade da elite política brasileira com o inédito e incômodo desafio de provar sua inocência. 

Neste 1º de março estão sob investigação em tribunais e delegacias de polícia: a presidente Dilma Rousseff e o vice Michel Temer; três ex-presidentes da República (Lula, Fernando Henrique Cardoso e Fernando Collor de Mello); os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha, e mais 25% dos senadores e deputados federais. 

As acusações têm natureza diversa. Assim, não é recomendável comparar os casos de Dilma e Collor, nem o de Lula e Fernando Henrique. Em telas de Botticelli ou Dalí, por exemplo, eles habitariam diferentes círculos, vales e esferas do inferno — da luxúria à fraude, no caos ordenado e bem-humorado de Dante Alighieri em “Divina comédia”. 

Em Brasília, amanhã, o Supremo Tribunal Federal começa a decidir se o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, será processado por corrupção e lavagem de dinheiro subtraído dos cofres da Petrobras, a maior entre companhias estatais e de capital aberto no país. 

A tendência é Cunha virar réu e, nesse caso, o Supremo precisará decidir sobre o seu afastamento da presidência da Câmara. Ele é o primeiro na linha de sucessão presidencial, depois do vice-presidente Michel Temer. Se o STF afastar Cunha, haverá eleição imediata do substituto na Câmara, porque “a República não pode ficar banguela na linha sucessória”, lembra o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ). 

Também amanhã abre-se uma etapa decisiva em Curitiba, 1.400 quilômetros ao sul do Planalto. O juiz federal Sérgio Moro começa a escrever a sentença sobre o caso de Marcelo Odebrecht, acionista e ex-presidente, e de diretores do Grupo Odebrecht, líder entre as empreiteiras de obras públicas. São acusados de corrupção, lavagem de dinheiro e financiamento ilegal de campanhas eleitorais para obter R$ 7 bilhões em contratos com a Petrobras. 

No próximo dia 17, completam-se dois anos de investigação sobre as estranhas transações desse condomínio de poder, que partilhava o Orçamento da União, planos de investimentos das empresas estatais e acesso privilegiado às reservas financeiras líquidas dos fundos de pensão e bancos públicos, como o BNDES. 

O inquérito levou, até agora, 179 pessoas ao banco dos réus. Dissolveu uma era de delírios político-empresariais. E lançou no limbo uma presidente recém-reeleita. Hoje ela anuncia o centésimo ministro em cinco anos. Na melhor hipótese, seu governo deve atravessar o próximo triênio arrastando correntes entre o Palácio da Alvorada e a Praça dos Três Poderes, em Brasília. 

Ironia da história: as 84 sentenças já proferidas, cujas penas somam 825 anos de prisão, foram escritas numa corte da outrora Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, vilarejo formado à volta de um pelourinho plantado três séculos e meio atrás pelo sertanista Gabriel de Lara. Era o símbolo de sua autoridade na defesa dos interesses do Erário português sobre a lavra de ouro.

Fonte: O Globo - José Casado