Hoje
estão sob investigação a presidente e o vice; três ex-presidentes da República;
presidentes
do Senado e da Câmara e mais 25% dos deputados e senadores
Nunca houve um fim de verão como este. Na chegada das águas de março,
assiste-se à perplexidade da elite política brasileira com o inédito e incômodo
desafio de provar sua inocência.
Neste 1º de março estão
sob investigação em tribunais e delegacias de polícia: a presidente Dilma Rousseff e o vice Michel Temer; três ex-presidentes
da República (Lula, Fernando
Henrique Cardoso e Fernando Collor de Mello); os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha,
e mais 25% dos senadores e deputados federais.
As acusações têm natureza diversa. Assim, não
é recomendável comparar os casos de Dilma e Collor, nem o de Lula e Fernando
Henrique. Em telas de Botticelli ou Dalí, por exemplo, eles habitariam
diferentes círculos, vales e esferas do inferno — da luxúria à fraude, no caos ordenado e
bem-humorado de Dante Alighieri em “Divina
comédia”.
Em
Brasília, amanhã, o Supremo Tribunal Federal começa a
decidir se o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, será processado por corrupção e lavagem de dinheiro subtraído dos
cofres da Petrobras, a maior entre companhias
estatais e de capital aberto no país.
A tendência é Cunha virar réu e,
nesse caso, o Supremo precisará decidir sobre o seu afastamento da presidência
da Câmara. Ele é o primeiro na
linha de sucessão presidencial, depois do vice-presidente Michel Temer.
Se o STF afastar Cunha, haverá eleição
imediata do substituto na Câmara, porque “a República não pode ficar banguela na linha sucessória”, lembra o
deputado Miro Teixeira (Rede-RJ).
Também
amanhã abre-se uma etapa decisiva em Curitiba, 1.400 quilômetros ao sul do Planalto. O
juiz federal Sérgio Moro começa a escrever a sentença sobre o caso de Marcelo
Odebrecht, acionista e ex-presidente, e de diretores do Grupo Odebrecht, líder entre as empreiteiras de obras
públicas. São acusados de corrupção, lavagem de
dinheiro e financiamento ilegal de campanhas eleitorais para obter R$ 7 bilhões em contratos com a
Petrobras.
No
próximo dia 17, completam-se dois anos
de investigação sobre as estranhas transações desse condomínio de poder, que partilhava o Orçamento da União, planos de investimentos
das empresas estatais e acesso privilegiado às reservas financeiras líquidas
dos fundos de pensão e bancos públicos, como o BNDES.
O inquérito levou, até agora, 179
pessoas ao banco dos réus. Dissolveu uma era de delírios político-empresariais. E lançou no limbo uma presidente recém-reeleita. Hoje ela anuncia o centésimo ministro em
cinco anos. Na melhor hipótese, seu governo deve
atravessar o próximo triênio arrastando correntes entre o Palácio da Alvorada e
a Praça dos Três Poderes, em Brasília.
Ironia da história: as 84
sentenças já proferidas, cujas penas somam 825 anos de prisão, foram escritas numa corte da outrora Nossa
Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, vilarejo
formado à volta de um pelourinho plantado três séculos e meio atrás pelo
sertanista Gabriel de Lara. Era o
símbolo de sua autoridade na defesa dos interesses do Erário português sobre a
lavra de ouro.
Fonte: O Globo - José Casado