Revista Oeste
A visão que o
ministro do STF, Alexandre de Moraes, tem sobre a imprensa é
incompatível com o que está escrito na legislação brasileira em vigor
Alexandre de Moraes | Foto: Montagem Revista Oeste/Wikimedia Commons/Carlos Moura/SCO/STF
O ministro Alexandre de Moares tem o seu entendimento
particular a respeito da liberdade de imprensa, e sobre como os jornalistas e
empresas de comunicação deveriam se conduzir em suas atividades junto ao
público. Não há nada de extraordinário nisso. O ministro, como cidadão, está no
seu direito de achar o que quiser sobre este e quaisquer outros temas. Mas o
ministro Moraes é juiz do Supremo Tribunal Federal, e nessa condição pode a
qualquer momento dar sentenças que afetam diretamente o exercício do jornalismo
no Brasil de hoje — e, ao dizer as coisas que tem dito sobre o assunto, ele
antecipa como vai julgar as causas que o STF virá a apreciar a respeito. O
problema está aí. Como juiz, o ministro e seus colegas têm a obrigação
constitucional de decidir as questões segundo o que determinam a letra e o
espírito da lei, não segundo as suas opiniões pessoais — e a visão que ele tem
sobre a imprensa é incompatível com o que está escrito na legislação brasileira
em vigor. O ministro, pelo que se depreende de seus comentários gerais sobre o
tema, acha que a mídia, essencialmente, deve ser imparcial. Mas não é isso o
que dizem a Constituição Federal e o restante das leis. A imprensa não tem de
ser imparcial. Tem de ser livre. É a lei.
O conceito de “imparcialidade”, no Brasil e em qualquer
democracia séria do mundo, não tem valor jurídico em nada daquilo que possa se
referir à liberdade de expressão.
Quem tem de ser imparcial é a Justiça — não a
imprensa.
imprensa não tem a obrigação de ser isenta, ou de boa qualidade, ou
justa, ou de dizer só a verdade, mesmo porque tudo isso está simplesmente acima
da sua capacidade.
O que ela tem de respeitar são dois mandamentos
fundamentais, um de ordem funcional e outro de ordem legal. A obrigação
funcional do jornalismo é ser fiel aos fatos; do contrário não estará servindo
para informar e não terá a credibilidade que precisa para se manter vivo. Quem
julga isso é o público, e não os tribunais de Justiça.
A obrigação legal é ser
responsável por cada palavra que leva à sua audiência e submeter-se ao que está
escrito no Código Penal e no resto da legislação; do contrário sujeita-se às
punições previstas em lei. Quem julga isso são os tribunais de Justiça, e não o
público. A questão acaba aí. Não há nenhuma necessidade de ir além — e quando
vai é inevitável que o direito à livre manifestação seja agredido.
A postura do ministro Moraes, sem dúvida, é razoável — é
por isso, aliás, que tanta gente pensa como ele sobre o assunto. Quem não quer
uma imprensa que só publique coisas verdadeiras, precisas, inteligentes e úteis
para a sociedade?
Mas teria que haver, nesse caso, uma lei dizendo: “A mídia
tem a obrigação de ser imparcial” — e mais todas as outras virtudes que se
exigem dela.
Isso não é possível, obviamente, a começar pelo fato de que não há
como definir o que seja “imparcialidade”, e muito menos quem vai decidir o que
é imparcial e o que não é.
A única coisa que se pode fazer, e já é feita há
muito tempo, é responsabilizar os veículos e os jornalistas por tudo aquilo que
publicam.
É a mesmíssima história com as fake news, promovidas ultimamente à
condição de flagelo número 1 da humanidade. Se a mídia publica notícias falsas,
vai ser punida com o descrédito.
É bem simples: as pessoas não vão acreditar
quando você diz que um disco voador desceu no Viaduto do Chá, ou que o
Corinthians acaba de ganhar por 9 a 0 do Manchester City.
Qual o sentido de
querer lidar com esse assunto através da intervenção do Estado? Um só: a
determinação oculta de controlar o que se publica. Isso não é justiça. É
política.
A lei de “regulamentação” proposta por eles permitiria,
perfeitamente, que a Jovem Pan fosse punida por disseminar “desinformação”,
como diz o ministro Moraes. Se isso não é censurar, o que seria censura?
A verdade é que todo esse clamor pela necessidade de uma
mídia isenta se traduz, no mundo das realidades, por atitudes de repressão à
liberdade de expressão. O último exemplo disso foram as declarações do ministro
Moraes sobre uma entrevista da Rádio Jovem Pan, na qual foram feitas, mais uma
vez, acusações sobre o assassinato do prefeito da cidade de Santo André, 20
anos atrás.
Foi apenas uma entrevista, como milhares de outras que vão ao ar
nas emissoras de rádio brasileiras. Foi boa? Foi ruim? Não é possível emitir um
laudo a respeito; isso é uma questão entre a Jovem Pan, que tem o direito de
entrevistar quem quiser, e os seus ouvintes, que têm o direito de gostar ou não
do que ouviram.
Mas o ministro considerou que a emissora tinha praticado o novo
delito da “desinformação”. Pior: ela agiu como braço de um “partido político” e
foi “instrumentalizada” para fins escusos. Não é o que dizem os fatos.
Os fatos
dizem apenas que a rádio levou ao ar uma entrevista com uma personagem da vida
pública, na qual ela falou o que acha a respeito do episódio de Santo André —
da mesma maneira, exatamente, como qualquer político fala o que acha sobre isso
ou aquilo. Qual é o problema? Se a entrevistada prejudicou alguém, ou cometeu
algum erro naquilo que falou, ela terá de responder por isso na Justiça. O que
não se pode é proibir a Jovem Pan de entrevistar quem ela quiser — ou proibir
que as pessoas falem o que pensam quando são entrevistadas pela mídia.
A autora das declarações promoveu interesses políticos na
entrevista? Sim, mas e daí? Em que lei está escrito que fazer política é
ilegal? O que há de errado se um veículo de imprensa quer ter posições políticas,
nos seus editoriais ou no tom do seu noticiário?
Quando os dirigentes do MST,
por exemplo, dão entrevistas, eles também defendem os seus interesses políticos
— ou não?
Na verdade, defendem coisas indefensáveis, como invasão de
propriedade, agressão física, cárcere privado, destruição de bens.
Nem por isso
alguma autoridade pública faz qualquer restrição ao que dizem — nem ao que
dizem os militantes a favor do governo.
Também não há nenhuma crítica aos
veículos que publicam as entrevistas do MST; não são acusados, aí, de servirem
de braço para partido político. O fato, colocado mais uma vez em plena
evidência, é que os pregadores da virtude nos meios de comunicação querem fazer
censura. A lei de “regulamentação” proposta por eles permitiria, perfeitamente,
que a Jovem Pan fosse punida por disseminar “desinformação”, como diz o
ministro Moraes. Se isso não é censurar, o que seria censura? O evangelho dos
vigilantes da mídia não busca uma mídia “isenta”. Busca, isto sim, uma mídia
obrigatoriamente a favor do governo Lula. O resto é conversa.
Espalha-se no Brasil, por parte do governo, das autoridades
judiciárias, da maioria dos jornalistas e de todos os que defendem o “controle
social” da mídia uma mentira fundamental: a de que o “direito absoluto” de
livre manifestação, ou a liberdade “sem responsabilidade” e “sem limites”, são
“crimes” contra a sociedade. Mas é falso que haja esse “direito absoluto” no
Brasil — nunca houve.
É o contrário: todo o mundo, a começar pelos meios de
comunicação, é plenamente responsável pelo que diz.
O Código Penal e o restante
da legislação punem com prisão ou penas pecuniárias quem é condenado pelos
crimes de calúnia, injúria e difamação. Punem quem usa o direito à palavra para
defender ideias racistas, ou nazistas, ou que sejam consideradas “homofóbicas”.
Punem os que pregam o golpe de Estado. Punem a incitação ao crime — e por aí se
vai, num arco que cobre todos os delitos que alguém possa cometer através da
livre manifestação do pensamento.
O que mais estão querendo? Estão querendo a
censura política. Estão querendo o silêncio das tiranias.
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J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste