O ex-presidente é uma das melhores cabeças políticas que o país já produziu, mas, desta vez, falou uma grande besteira. Acha que Congresso não tem legitimidade para fazer valer a Carta, mas a tem para rasgá-la
O presidente Fernando Henrique Cardoso
escreveu o artigo mais confuso da sua vida. E também o mais tolo no que
tem de compreensível. Pior: flerta com o golpismo em curso. E olhem que
ele é bom de texto. Costuma ser mais claro escrevendo do que falando, já
que sua enorme gentileza tem uma certa propensão para concordar com o
interlocutor. A maluquice está na Folha desta segunda.
FHC expõe as dificuldades em curso.
Lembra que a Constituição impede antecipação de eleição. É verdade. Por
outro lado, apela ao presidente Michel Temer para que encurte o seu
mandato. Ora, isso só poderia ser feito, entende-se, com uma renúncia
com data marcada. E se realizariam eleições gerais — o que implicaria,
imaginem, encurtamento do mandato de deputados e de uma parte do Senado.
Mas esperem: se o presidente renuncia, a
Constituição já oferece a saída: eleição indireta. E FHC sabe disso.
Mas eis que ele questiona a legitimidade do próprio Congresso ao
afirmar:
“Com que legitimidade alguém governaria tendo seu poder emanado de um Congresso que também está em causa?”
Como é? Então FHC considera que esse
Congresso, que “também está em causa”, não teria legitimidade para
eleger presidente-tampão caso Temer renunciasse ou perdesse o mandato,
mas a tem para, como ele sugere, votar uma emenda que:
– antecipe eleições presidenciais;
– antecipe eleições congressuais;
– extinga a reeleição;
– defina o mandato de cinco anos.
– antecipe eleições presidenciais;
– antecipe eleições congressuais;
– extinga a reeleição;
– defina o mandato de cinco anos.
Em que circunstâncias uma mente
brilhante, como a de FHC, produz coisa tão tacanha? Não sei. Segundo sua
proposta, as diretas se fariam num prazo que ele imagina de “seis a
nove meses”. É mesmo? Vamos fazer contas.
No prazo menor por ele imaginado,
aconteceria em dezembro. Pois é… O recesso congressual vai de 23 desse
mês a 1º de fevereiro. Impossível. Então fiquemos com o prazo maior:
março! Uma confusão dos diabos se armaria para antecipar a eleição em
meros sete meses e encurtar o mandato em nove?
Parece piada!
Pensemos mais um pouco. Um presidente
que anunciasse a sua renúncia com seis ou nove meses de antecedência
conseguiria votar no Congresso o quê? Nada! As reformas iriam para o
brejo! Ou FHC imagina alguém se esfalfando em nome da mudança na
Previdência? Há mais. Há as questões que são de
natureza política. Então se deve ceder à estúpida manipulação da
verdade, preparada por Joesley Batista e Rodrigo Janot, que transforma
Temer no nº 1 de uma organização criminosa e Aécio Neves no nº 2,
enquanto Lula, ora vejam!, estará plenamente elegível nesse prazo — a
menos que se dê um jeitinho para fazer a Justiça andar mais depressa?
A proposta de FHC é uma soma de
despropósitos. E é claro que tem um desagradável lado desestabilizador.
E, por mais que ele tente vacinar a peça com repúdio a golpismos,
obrigo-me a dizer: é uma proposta filogolpista. O ex-presidente deveria usar a
influência que tem no PSDB para engajar o partido nas reformas,
inclusive na política, já que se abre, de fato, uma chance de aprovar,
para 2022, parlamentarismo e voto distrital misto.
Em vez disso, o tucano resolve cismar
com uma saída exótica, que jogaria definitivamente as reformas no lixo,
criando turbulência adicional no Congresso. E tudo isso por causa de
alguns meses? Tenham a santa paciência! O presidente deveria combater, isto sim,
com a autoridade moral que tem, o viés golpista de certos setores da
imprensa e de alguns órgãos do Estado brasileiro, mormente o Ministério
Público Federal.
Ah, sim: o texto vem à luz no dia em que
pesquisa Datafolha indica que Lula é o preferido da população nas
eleições diretas. Sem ele na disputa, Marina Silva e Bolsonaro lideram.
Que beleza!
Para encerrar
FHC, um dos maiores presidentes que o Brasil já teve, fez uma vez uma grande besteira: patrocinou a emenda da reeleição, em 1997. Foi um ato maroto, já que ele próprio pôde ser beneficiado por ela, mas inconstitucional não era.
FHC, um dos maiores presidentes que o Brasil já teve, fez uma vez uma grande besteira: patrocinou a emenda da reeleição, em 1997. Foi um ato maroto, já que ele próprio pôde ser beneficiado por ela, mas inconstitucional não era.
Agora, ele está sugerindo que se rasgue a
Constituição. “Como, Reinaldo?” É isto mesmo: se Temer renunciar, como
ele sugere, isso não muda o Parágrafo 1º do Artigo 81 da Constituição,
que prevê eleição indireta nem o Inciso II do Parágrafo 4º do Artigo 60,
que impede que se mude a periodicidade da eleição. E é cláusula pétrea,
professor!
O artigo não para em pé. É realmente do
balacobaco FHC achar que um Congresso, atingido por denúncias, não tem
autoridade para fazer cumprir a Constituição, mas tem autoridade para
rasgá-la.
Volte à prancheta, FHC. Ou mude de conselheiros.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo