Nenhum partido, segundo as últimas pesquisas de opinião, aparece com sólido favoritismo, gerando toda sorte de especulação quanto ao futuro do país
A Itália
vai às urnas hoje num pleito marcado por incertezas e uma estranha sensação de
déjà-vu. Nenhum partido, segundo as últimas pesquisas de opinião, aparece com
sólido favoritismo, gerando toda sorte de especulação e dúvidas quanto ao
futuro do país. Mas, em meio ao imponderável das urnas, o eleitor italiano se
vê às voltas com a controversa figura do ex-premier Silvio Berlusconi, que
ressurge de anos no limbo, após ser afastado da política devido a escândalos
sexuais, processos na Justiça e tentativas de obstruir a Operação Mãos Limpas,
inspiradora da Lava-Jato brasileira.
Berlusconi
foi condenado e está impedido de concorrer como candidato até 2019. Mas
reaparece agora como cabo eleitoral e costureiro de alianças. Se as pesquisas
estiverem certas, a coalizão de centro-direita e extrema-direita que apoia
deverá conquistar a maioria dos assentos no Parlamento, abrindo espaço para
Antonio Tajani, o escolhido de Berlusconi, governar o país. Seria uma volta por
cima do velho fanfarrão populista e um grande risco para o futuro da terceira
maior economia do bloco europeu.
E é
justamente o campo econômico que dá munição aos críticos do atual governo
social-democrata e, no plano mais geral, aos inimigos da integração europeia. O
dilema da Itália é o fato de a recuperação econômica dos últimos anos, por
questões peculiares ao país, que possui um setor bancário perigosamente
endividado, não se dar de forma disseminada, e o eleitorado parece dividido
entre aqueles que desejam arriscar algo novo — e incerto — e aqueles que
defendem uma linha mais sustentável por meio da ortodoxia fiscal.
O
primeiro grupo, majoritário, é composto por italianos que ainda não sentiram a
melhora dos duros ajustes na economia feitos para tirar o país da crise da
dívida que se abateu sobre a zona do euro, após 2008. O destaque negativo se dá
especialmente no mercado de trabalho, sobretudo no sul do país e entre os
jovens: cerca de um terço da força de trabalho entre 15 e 24 anos que busca uma
vaga de trabalho está desempregada.
Esta
situação gerou desconfiança em relação aos políticos tradicionais, abrindo
caminho para agremiações extremistas. As mais bem cotadas são o partido antiestablishment
Cinco Estrelas, de tendência esquerdista; a conservadora Força Itália, de
Berlusconi; e os populistas de direita reunidos no Liga (ex-Liga Norte), cujo
presidente, o xenófobo Matteo Salvini, faz campanha com o slogan de Donald
Trump: “Itália em primeiro lugar”. O Liga e o Força Itália fizeram coligação
com o partido neofascista Irmãos da Itália. As pesquisas, porém, sugerem que o
Parlamento não terá uma força expressivamente majoritária.
Seja como
for, analistas estão preocupados com o resultado das urnas italianas, que podem
mergulhar a zona do euro em nova turbulência. Com um setor bancário ainda
perigosamente endividado, qualquer abalo no campo político poderá reverberar
nas finanças do país, piorando o quadro fiscal e financeiro, com consequências
inesperadas no bloco europeu, ainda abalado pelo complexo divórcio com o Reino
Unido.
Editorial - O Globo