‘Supremo mostra, de novo, a força da Constituição’, por José Casado
[a força mostrada pelo Supremo não foi a da Constituição e sim a que um ministro do STF pode legislar solitariamente e posteriormente levar o produto de seu labor legislativo para exame dos seus pares e obter aprovação unânime.
Existe uma Cláusula secreta na Constituição que autoriza os ministros do Supremo a legislarem sempre que entenderem conveniente?]
O teste de estresse é extremo e, até agora, mostra avanços, entre eles o funeral da impunidade na política
É possível se assustar com a fotografia do Brasil nesta sexta-feira.
Nela se destaca a presidente Dilma Rousseff, que deverá ser afastada
pelo Senado em menos de uma semana. Sobressai o vice Michel Temer
montando um governo provisório para o país devastado por uma inédita
crise econômica e três epidemias (dengue, zika e gripe H1N1).
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi afastado, na
quinta-feira, do mandato e da função pela unanimidade dos juízes do
Supremo Tribunal Federal em nome da “dignidade” das instituições. O
presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), por consequência,
passou a ser o primeiro substituto eventual do vice-presidente da
República. Detalhe: o senador é investigado em nove inquéritos no STF
por corrupção.
É notável que esse enredo de horror se desenvolva num ambiente onde
prevalece a força da Constituição. Não é pouco para uma Carta de 21
anos, num país com apenas três décadas de redemocratização. O teste de
estresse é extremo e, até agora, mostra avanços, entre eles o funeral da
impunidade na política. Não por acaso, na quinta-feira, dois ministros
do STF mencionaram a hipótese de prisão preventiva de Cunha.
O Supremo resolveu um problema da República — a linha sucessória
presidencial. Pelo voto do ministro Teori Zavascki, estabeleceu que a
permanência de um réu no comando da Câmara equivalia a um “pejorativo
que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele
liderada". Deixou aos deputados a cassação do mandato, prevista para
ocorrer até junho.
Nesses dias de transe institucional, é útil recordar a conversa do
então presidente do Supremo, Ayres Britto, durante o julgamento do
mensalão, com um pedinte num estacionamento de Brasília. “Desta vez vou
ficar lhe devendo", disse o juiz, sem dinheiro no bolso. O mendigo
devolveu: “O senhor não me deve nada, ministro, basta cumprir a
Constituição”.
Fonte: José Casado - o Globo