Um e-mail póstumo com conselhos do vice-presidente Floriano Peixoto para o general Mourão
Vosmicê é vice porque o capitão Bolsonaro foi eleito, e não o contrário
Senhor general,
De vez em quando, nós, os vice-presidentes brasileiros, jantamos na
fazenda do João Goulart. Ontem conversamos sobre vosmicê e quero
dizer-lhe que sua conduta está mal vista. Por estranho que pareça, está
mal vista porque o Café Filho, que em 1954 se dissociou de Getúlio
Vargas, comparou vossa conduta à minha. Repetiu a ideia de que o
marechal Floriano Peixoto salvou a República.
Eu não gosto do Café, um espertalhão medroso. Achei a ideia despropositada.
Vice-presidente não é contraponto. Eu fui eleito em 1891 naquele
processo abstruso pelo qual o titular podia vir de uma chapa e o vice,
de outra. Felizmente acabou-se com isso. Vosmicê é vice porque o capitão
Bolsonaro foi eleito, e não o contrário. O senhor falava em autogolpe e
as vivandeiras do século 21 asseguraram que vossa presença na chapa
simbolizava um respaldo militar. Como soldados, sabemos que essa é uma
meia verdade. Metade pode ser respaldo, mas a outra metade chama-se
anarquia, e vice fazendo contraponto ao presidente só serve para
estimulá-la.
O Jango é amigo de um sujeito chamado Sérgio Porto que se apelida de
Stanislaw Ponte Preta. Ele diz que vice acorda mais cedo para ficar mais
tempo sem fazer nada. Não vou a esse ponto, mas o vice deve ter cuidado
ao expor diferenças.
Sempre falei pouco. Chamavam-me de "Esfinge". Eu era vice do marechal
Deodoro da Fonseca, um bom homem, doente e inepto, que tentou um golpe,
fracassou e renunciou.
As vivandeiras festejaram a queda do Deodoro porque ele ameaçava as
instituições republicanas. Puseram-me na cadeira. O que conseguiram? Uma
ditadura, da qual não me arrependo. Manietei o Congresso, decretei o
estado de sítio, intimidei a imprensa, desterrei monarquistas, mandei
fuzilar um marechal, humilhei o Supremo Tribunal e derrotei revoluções.
Consolidei a República e voltei para meu sítio. Só tivemos rebeliões
militares décadas depois.
Passou-se mais de um século e o Brasil é outro. Tivemos disciplina nos
quartéis por mais de 20 anos. O governo de que o senhor faz parte
reacendeu a chama da presença de militares no poder (quase todos da
reserva, inclusive vosmicê). Pode ser boa ideia, desde que não surjam os
"generais do povo" ou sabe-se lá do quê. Militar só fala pela tropa
quando está no quartel. Fora dele é paisano. Sei que o senhor supunha que teria grandes atribuições no governo e
vossa sala continuou fora do prédio do Planalto. Sei também que o senhor
vive sob o fogo da família real e de um Antônio Conselheiro
envernizado. Lamento que isso esteja acontecendo, mas nunca servi
publicamente de contraponto ao Deodoro, nem quando ele deu a um compadre
a concessão superfaturada do porto de Torres, no Rio Grande do Sul. O
bom general procura escolher o local e a hora da batalha.
Os dissabores não justificam a construção de contrapontos. Não é coisa
de vice, muito menos de militar. Concordo com quase todas as suas
opiniões, mas não aprovo a manobra. E nisso estão comigo os dois
vice-presidentes militares da ditadura. Aureliano Chaves, o vice civil
do general João Figueiredo, disse-me que só se afastou dele quando achou
que o general tinha perdido o juízo. Lembremos que ele pensou até em
meter-lhe a mão.
O senhor não precisa ser uma esfinge, basta virar a página, saindo da vitrine.
Do seu camarada de armas
Floriano Peixoto
A FIOCRUZ PEDE SOCORRO
A sacrossanta Fiocruz sangra. Seu quadro de servidores está encolhendo.
Em 2013, contando-se os terceirizados eram 12.379; ao final de 2018
estavam em 11.899. Metade deles tem mais de 50 anos e os ventos da
reforma da Previdência dobraram os pedidos de aposentadoria nos últimos
dois anos.
Instituição centenária, a Fiocruz é um dos maiores centros de pesquisa
do país e mostra seus serviços vigiando a saúde ou produzindo vacinas.
Há três anos ela comprovou sua competência quando o país passou pelo
surto de zika, associando o vírus a casos de microcefalia de bebês.
Salvo um escandaloso convênio assinado em 2011 com uma empresa de
Portugal, ela resistiu a tudo, inclusive ao comissariado petista. Depois
de uma sucessão de lorotas, o negócio foi cancelado.
O dreno do quadro da instituição pode ser contido se forem recrutados
alguns dos profissionais que prestaram os quatro concursos realizados
nos últimos dez anos. Sem festa, basta seguir a colocação dos certames,
antes que eles caduquem, o que acontecerá até junho do ano que vem. Não se trata de nomear companheiros ou sobrinhos, mas de repor as perdas com profissionais de competência verificada.
FICÇÕES DO MP
Nos lances que se seguiram à prisão de Michel Temer, o Ministério
Público disparou contra ele uma sucessão de denúncias espetaculares.
A saber:
1) Temer teria mandado uma mensagem para o ex-ministro Moreira Franco à
1h25 do dia em que ambos seriam presos. Isso indicaria que ele sabia da
próxima ação da Polícia Federal e, no meio da madrugada, estaria
alertando o amigo. Falso. A hora mencionada pelos procuradores era a de
Greenwich. No Brasil eram 21h25 e o assunto era banal.
2) Temer poderia fugir do país. Junto com esse receio apareceu a
informação de que ele tem nacionalidade libanesa. Ele não a tem.
3) Uma pessoa tentou depositar R$ 20 milhões em dinheiro vivo em contas
do coronel João Baptista Lima, o que indicaria que "a organização
criminosa continua atuando". A tentativa de depósito em espécie era
fantasia. Tratava-se de uma transferência eletrônica de uma agência do
Bradesco para o Santander.
Elio Gaspari, jornalista - O Globo - Folha de S. Paulo