A decisão do STF abrange apenas alegações finais escritas, que é o passo anterior à decisão final do juiz sobre a condenação ou a absolvição do réu. Com base no entendimento da Corte, se a ordem de alegações não for obedecida, seria anulada apenas a sentença, e o processo retornaria para a fase das manifestações dos réus. Advogados estudam alegar que seus clientes delatados deveriam se manifestar antes dos réus delatores em todas as fases processuais — inclusive nos depoimentos, que precedem a fase de alegações finais.
Há no tribunal ministros que concordam com essa lógica. Afinal, para aprovar o entendimento de que os delatores devem se manifestar antes dos delatados, a maioria dos ministros usou como argumento o fato de que, em processo penal, a regra é a acusação ocorrer sempre antes da defesa. O plenário deixou claro que, no caso de delatores, eles estão ligados aos interesses acusatórios do Ministério Público.
Sem a tese para fixar parâmetros aprovada no plenário do STF, portanto, aumenta a instabilidade jurídica. Na última quarta-feira, os ministros concordaram, por oito votos a três, que seria mesmo necessário aprovar uma tese para orientar juízes de todo o país em decisões futuras sobre o assunto. Dos oito ministros, no entanto, dois deixaram claro que a tese não seria necessariamente a sugerida pelo presidente da Corte, Dias Toffoli . São eles: Luís Roberto Barroso e Rosa Weber.
Toffoli defende que, para justificar a nulidade de uma sentença, a defesa precisa ter recorrido da ordem das alegações finais desde a primeira instância e também que fique comprovado que a abertura conjunta dos prazos para todos os réus prejudicou o condenado. Outro requisito é a prévia homologação da delação premiada.Os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello discordam da fixação de qualquer balizamento para abrandar a decisão tomada. O argumento técnico é que a decisão foi tomada no julgamento de um habeas corpus, uma classe processual que não admite a formulação de teses a serem aplicadas em processos semelhantes. Isso porque o habeas corpus é um tipo de processo que precisa ser analisado caso a caso, de acordo com as especificidades de cada réu.
Por trás desse motivo está também a liberdade dos juízes. Sem uma tese, os ministros ficam livres para decidirem como quiserem nos habeas corpus que chegarem ao STF questionando a ordem das alegações finais. Ao menos cinco dos 11 ministros discordam abertamente da proposta de Toffoli, que só levará o caso a plenário numa sessão com quórum completo. O presidente do tribunal adiou o julgamento da tese para uma data indefinida e, até lá, pretende operar nos bastidores para arrebanhar mais votos. Na quinta-feira, lançou mão de um artifício poderoso: anunciou a interlocutores que pautaria, no mesmo dia, o julgamento da tese das alegações de delatores e delatados e, também, o processo sobre prisões de condenados em segunda instância. [espantosa a habilidade do STF, agora por parte do seu presidente, em adiar - pedir vista e protelar um julgamento é um ardil manjado, o quórum completo é novidade e tem uma vantagem adicional = sessões iniciadas com o quórum completo, podem ser interrompidas e o recomeço só ocorrerá com quórum total.
Com isso, fica bem mais complicada realizar dois julgamentos, cuja decisão poderá causar reação da população.]
Enquanto a tese não chega — se é que haverá maioria para se aprovar a sugestão de Toffoli —, a vida segue no tribunal. Lewandowski é relator de cinco pedidos de habeas corpus apresentados por réus da Lava-Jato depois de fixado o entendimento sobre a ordem das alegações finais. A tendência é ele anular as sentenças. Julgando logo esses habeas corpus, Lewandowski ficaria livre para não seguir eventual tese fixada pelo plenário depois.
O Globo - Edição de 6 outubro 2019