O Globo
Bolsonaro atrapalha de todos os lados. Sabota o isolamento social e, pois, o controle das taxas de contágio
Mas nos Estados Unidos, União Europeia e China, a conversa já é de recuperação, considerando-se que as taxas de contágio estão contidas. A UE, por exemplo, sob liderança de Alemanha e França, anunciou um programa de 750 bilhões de euros para apoiar os países mais pobres da área. A China tem programas de tamanho parecido. E os Estados Unidos? A crise de saúde ainda está lá — em estágio mais grave do que nas outras potências — e a ela se somam os protestos que já alcançaram mais de 350 cidades.
Mas como nas outras regiões, estão em andamento programas enormes de ajuda a empresas e pessoas, de modo que os mercados já antecipam a recuperação esperada para o segundo semestre. O enfraquecimento global do dólar indica que investidores estão perdendo o medo. Sabem como é: ao menor sinal de perigo, se dá a corrida para a segurança e qualidade, ou seja, ativos em dólar. A moeda americana se fortalece, as demais se desvalorizam.
Passado o medo, o jogo se inverte. O real, que se aproximava dos R$ 6/dólar, voltou para perto dos cinco. Ainda é alto, mas faz sentido: a taxa de juros está muito baixa e vai cair ainda mais. A Bolsa brasileira segue as internacionais, entre outras coisas porque ficou duplamente barata. O preço das ações caiu muito em reais e mais ainda em dólar.
E aqui mora o problema. O presidente Bolsonaro atrapalha de todos os lados. Sabota o isolamento social e, pois, o controle das taxas de contágio. Os programas econômicos de ajuda às empresas estão atrasados. Os 600 reais foram para muitas pessoas que não precisavam e não chegaram a muitos necessitados.
Claro que tem aí um problema moral, das pessoas que fraudaram os dados para receber a renda. Mas é certo também que houve e há incompetência no desenho e operação dos programas. Para completar, o presidente estimula manifestações que pedem intervenção militar e ele mesmo acredita ter o poder de recorrer às Forças Armadas para defender seu governo mesmo quando este sai fora da lei.
E, considerando que a própria Constituição abre espaço, em seu artigo 142 para intervenção das FF AA...
Se os 3 Poderes são harmônicos e independentes = um não pode mandar nos dois outros que não podem se unir para mandar no que restou = se torna necessário, em ocasiões especiais, que alguma coisa se sobreponha aos três - por óbvio, não pode ser o coronavírus - na forma estabelecida pela Constituição vigente.]
Muitos dizem que é incrível que se tenha voltado a esses temas. Mas o caráter autoritário do presidente e de seu entorno mais próximo sempre esteve presente. Confundiu um tanto quando se juntaram no governo nomes como Paulo Guedes e Sergio Moro e, depois, Luiz Henrique Mandetta, respeitados e certamente democratas. O trabalho de Rodrigo Maia, avançando com a pauta reformista, também contribuía para dar bons sinais. Contribuía. E assim estamos na terceira recessão dos anos 2000.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - O Globo