Lamacchia, um bilionário encrencado
Como o
dono da Crefisa e da Faculdade das Américas perdeu na
Justiça uma fortuna de R$ 500 milhões para uma faxineira aposentada após
uma disputa marcada por fraudes, desvios de recursos e intimidação
O bairro paulistano do Jardim Boa
Vista,
localizado no extremo da zona Sul de São Paulo, está entre os mais violentos da cidade. Sempre que um crime
acontece, é normal os moradores serem alvo da curiosidade da imprensa. Foi o
que a ex-faxineira Glória da Graça de Souza, 67 anos, pensou ao ver um
fotógrafo descer do táxi, em frente ao portão de sua casa, para tomar fotos
dela. Depois de alguns cliques, o homem identificou-se como o jornalista Pedro
Menezes e perguntou se o nome dela era Glória. Assustada e sem saber o que se
passava, ela assentiu com a cabeça.
A admissão fez uma segunda pessoa
descer do carro e causar espanto na funcionária pública aposentada. Era o
empresário José Roberto Lamacchia, sócio da financeira Crefisa e da Faculdade
das Américas (FAM), e um dos maiores patrocinadores do futebol
brasileiro. Ele correu e invadiu a residência de Glória, que tentou impedi-lo
para não assustar os quatro netos menores de idade que estavam sob seus
cuidados. Dentro da casa simples, de cômodos inacabados e muita reforma a
fazer, o empresário acostumado aos nobres bairros Jardim Paulista, onde mora, e
Jardim América, onde trabalha, forçava a barra para ser ouvido.
Apesar da
gritante diferença social, o bilionário Lamacchia e ex-faxineira Glória são “sócios” na FAM, universidade privada
criada em 1998, com duas unidades em São Paulo, aproximadamente 17 mil alunos
em 28 cursos. A invasão de domicílio,
registrada em Boletim de Ocorrência (B.O.) na Polícia no dia 4 de outubro
de 2011, foi um ato desesperado de um empresário acuado, numa tentativa de
convencê-la a retirar um processo contra ele na Justiça. Lamacchia, diz Glória,
forçou o encontro para suborná-la e
chantageá-la. Ela movia o processo de número
0194670-49.2011.8.26.01.000, no Foro Central de São Paulo, no qual pedia
para ser reconhecida como a única associada do Cebrasp, entidade que deu origem
à FAM.
Dono da Crefisa, a única
instituição financeira disposta a emprestar para servidores públicos,
aposentados e pensionistas que estão com nome sujo, com
mais de 900 lojas espalhadas por todo o País, Lamacchia batalha nos bastidores
para preservar um patrimônio superior a R$ 3 bilhões. Fazer dinheiro é com ele mesmo.
O capital social da financeira, que era de R$
60 mil, em dezembro de 2006, foi multiplicado em 2.733%, para R$ 1,7 milhão, em
junho de 2015. No mesmo período, o patrimônio líquido da Crefisa, de R$
157,8 milhões, saltou 1.522% para R$ 2,56 bilhões.
A financeira especializou-se em
um tipo de empréstimo pessoal bastante lucrativo, que não
segue o habitual modelo de crédito consignado com desconto em folha de
pagamento. Os clientes aceitam o
débito automático das parcelas em suas contas correntes bancárias. Embora a inadimplência da Crefisa esteja perto de 40% do
total emprestado, um absurdo para qualquer padrão no sistema financeiro
brasileiro, os juros extorsivos garantem a lucratividade do negócio.
Segundo o BC, as taxas da Crefisa
superam 830% ao ano.