A morte do procurador que a denunciou fomenta dúvidas sobre a capacidade de Cristina Kirchner se manter em frágil equilíbrio de poder até o fim do mandato
Oficialmente, faltam 45
semanas para Cristina Kirchner entregar a Presidência da Argentina a um
sucessor eleito. Mas ontem, no Palácio do Planalto, no Itamaraty e na
Embaixada dos Estados Unidos, em Brasília, floresciam dúvidas sobre sua
capacidade de sustentação em frágil equilíbrio de poder até o fim do
mandato. A bala que matou o procurador Alberto Nisman, no
domingo, deixou Cristina na escuridão política, em um país sob
progressiva corrosão institucional e econômica.
Nisman morreu aos 51 anos, horas antes de audiência no Congresso onde apresentaria evidências que, supostamente, justificaram a denúncia judicial contra a presidente e o chanceler Héctor Timerman. Acusou-os de realizar uma “diplomacia paralela", que possibilitou ao governo levar adiante “um plano criminoso, por ordens expressas da Sra. Presidente".
O objetivo governamental, ele escreveu na denúncia com mais de 200 páginas, era obter compensações econômicas de Teerã em troca da “impunidade e encobrimento dos fugitivos iranianos" indiciados pelo atentado contra a Associação Mutual Israelita da Argentina (Amia). Entre eles, destacam-se o aiatolá Ali Rafsanjani, atual presidente da Assembleia de Teólogos, órgão responsável pela escolha do líder supremo iraniano, e alguns de seus auxiliares (Mohsen Rezai, ex-comandante da Guarda Revolucionária; Ali Akbar Velayati, ex-chanceler; Ahmad Vahidi, ex-chefe da tropa de elite; Ali Falhijan, ex-ministro de Segurança.)
Foi o maior ataque terrorista realizado na América do Sul: na manhã de segunda-feira 18 de julho de 1994 uma carga de explosivos demoliu a sede da entidade judaica e prédios vizinhos, no Centro de Buenos Aires, deixando 85 mortos e mais de três centenas de feridos. Vinte e oito meses antes, uma ofensiva contra a Embaixada de Israel deixara 29 vítimas.
Passaram-se duas décadas e os atentados continuam impunes. Consequência da perversa combinação de leniência institucional com a obstinada relutância de governos da América do Sul — a começar pelo Brasil — em admitir qualquer possibilidade de conexão regional com o terrorismo em escala global, apesar das ocorrências desde os Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, em Buenos Aires, nos anos 90, em Nova York, em 2001, e em Paris duas semanas atrás.
A impunidade na Argentina remete ao vácuo no Brasil. Desde os anos 90, Brasília se mantém indecisa sobre a harmonia da legislação nacional com os códigos antiterrorismo.
Nisman trabalhou em cooperação com os serviços secretos dos Estados Unidos e de Israel, e em parceria com Antonio Horacio Stiuso, o influente “Jaime”, recém-aposentado no comando da espionagem argentina. Se estava lúcido ou desesperado em uma investigação, marcada pela negligência e hostilidade interna, é questão que tende à poeira da História — provavelmente sem resposta.
É certo, porém, que a confusão política argentina ganhou outra dimensão, com um aditivo: a volatilidade anímica de Cristina, em luto desde a morte em 2010 do caudilho Néstor, com quem esteve casada por mais da metade da vida. Ela oscila entre a euforia e a melancolia, evocando-o em solenidades diárias — quase tanto quanto reverencia Deus, como é hábito entre antigas alunas da congregação Filhas de Nossa Senhora da Misericórdia, de La Plata. Seu governo está à deriva.
Nisman morreu aos 51 anos, horas antes de audiência no Congresso onde apresentaria evidências que, supostamente, justificaram a denúncia judicial contra a presidente e o chanceler Héctor Timerman. Acusou-os de realizar uma “diplomacia paralela", que possibilitou ao governo levar adiante “um plano criminoso, por ordens expressas da Sra. Presidente".
O objetivo governamental, ele escreveu na denúncia com mais de 200 páginas, era obter compensações econômicas de Teerã em troca da “impunidade e encobrimento dos fugitivos iranianos" indiciados pelo atentado contra a Associação Mutual Israelita da Argentina (Amia). Entre eles, destacam-se o aiatolá Ali Rafsanjani, atual presidente da Assembleia de Teólogos, órgão responsável pela escolha do líder supremo iraniano, e alguns de seus auxiliares (Mohsen Rezai, ex-comandante da Guarda Revolucionária; Ali Akbar Velayati, ex-chanceler; Ahmad Vahidi, ex-chefe da tropa de elite; Ali Falhijan, ex-ministro de Segurança.)
Foi o maior ataque terrorista realizado na América do Sul: na manhã de segunda-feira 18 de julho de 1994 uma carga de explosivos demoliu a sede da entidade judaica e prédios vizinhos, no Centro de Buenos Aires, deixando 85 mortos e mais de três centenas de feridos. Vinte e oito meses antes, uma ofensiva contra a Embaixada de Israel deixara 29 vítimas.
Passaram-se duas décadas e os atentados continuam impunes. Consequência da perversa combinação de leniência institucional com a obstinada relutância de governos da América do Sul — a começar pelo Brasil — em admitir qualquer possibilidade de conexão regional com o terrorismo em escala global, apesar das ocorrências desde os Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, em Buenos Aires, nos anos 90, em Nova York, em 2001, e em Paris duas semanas atrás.
A impunidade na Argentina remete ao vácuo no Brasil. Desde os anos 90, Brasília se mantém indecisa sobre a harmonia da legislação nacional com os códigos antiterrorismo.
Nisman trabalhou em cooperação com os serviços secretos dos Estados Unidos e de Israel, e em parceria com Antonio Horacio Stiuso, o influente “Jaime”, recém-aposentado no comando da espionagem argentina. Se estava lúcido ou desesperado em uma investigação, marcada pela negligência e hostilidade interna, é questão que tende à poeira da História — provavelmente sem resposta.
É certo, porém, que a confusão política argentina ganhou outra dimensão, com um aditivo: a volatilidade anímica de Cristina, em luto desde a morte em 2010 do caudilho Néstor, com quem esteve casada por mais da metade da vida. Ela oscila entre a euforia e a melancolia, evocando-o em solenidades diárias — quase tanto quanto reverencia Deus, como é hábito entre antigas alunas da congregação Filhas de Nossa Senhora da Misericórdia, de La Plata. Seu governo está à deriva.