O Globo
O curioso é que esses sinais de Aras se acumulam exatamente no governo que durante a campanha eleitoral prometia combater a corrupção. Era uma propaganda enganosa, Jair Bolsonaro nunca em sua carreira política atuou contra os desvios. Em 2018, ele surfou a onda contra a corrupção, que é um sentimento legítimo da sociedade.
O presidente Bolsonaro levou para seu governo um símbolo da Lava-Jato e o enfraqueceu. O ex-juiz Sergio Moro diz agora que foi usado. Aras foi escolhido procurador-geral da República a dedo para determinadas ações, e tem cumprido essa promessa. Havia a expectativa de que ele, a partir do momento em se tornasse indemissível como PGR, desempenhasse seu papel constitucional. Desde o começo Aras combate a Lava-Jato. Ele assedia a Força-Tarefa, dá declarações críticas e agora fala em corrigir os rumos da operação.
O procurador-geral diz que a Lava-Jato acumulou dados sobre 38 mil pessoas, sem critérios. Dá a impressão de que se formou um poder discricionário dentro do estado na mão de alguns procuradores. A realidade é que muita gente foi citada. Algumas não foram investigadas, outras serão acompanhadas por outras instâncias do MP ou da PF. A Lava-Jato vem desde 2014. Aras, desde o início, exigiu o compartilhamento das informações obtidas pela operação e pretende centralizá-las. Por outro lado, ele luta contra o que chama de “lavajatismo”, que na realidade levou o país a conhecer profundamente as entranhas da política para corrigir os desvios.
A Lava-Jato teve excessos, todo o processo numa democracia exige fiscalização e correção. Mas para isso há a própria Justiça que várias vezes impôs uma correção de rumo à Lava-Jato. Corrigir o processo investigativo é muito diferente de tentar acabar com ele. As declarações e ações de Aras passam a impressão de que ele acabar com as investigações. Em outra frente, ele ataca a Lava-Jato. Em outra, ele mira na Polícia Federal. Aras propôs o arquivamento dos inquéritos nascidos da delação de Sergio Cabral, que foi negociada pela PF. É claro que uma delação tem que ser confirmada por provas, caso contrário não é homologada. Mas aí há uma briga entre dois grupos dentro do estado brasileiro. A Polícia Federal sempre quis o poder de conduzir delações premiadas, e o MP entende que essa prerrogativa é exclusiva dos seus membros. A discussão vem desde antes do mandato de Aras. O STF já havia reconhecido o direito da PF celebrar acordos de delação. Aras quer voltar ao debate anterior. A ideia dele é que um acordo de colaboração só será celebrado se o MPF concordar.
O movimento de Aras vai enfraquecer a investigação sobre desvios.
Míriam Leitão, jornalista - O Globo