O ministro
Alexandre de Moraes, presidente da Primeira Turma do Supremo, pautou
para esta terça dois votos que estão gerando frisson antes mesmo de
serem conhecidos. E é fácil saber por quê. Um deles diz respeito a um
prefeito condenado em 2009, pelo TRF-4, a cinco anos de cadeia. A pena
vai prescrever no mês que vem, e o Ministério Público Federal pede a sua
execução. No outro caso, o ministro dá seu voto sobre liminar concedida
por Marco Aurélio, que impediu a prisão de um indivíduo condenado a
cinco anos e meio. Nesse caso, a sentença já foi confirmada pelo STJ,
mas ainda cabe recurso.
Vamos lá.
Será a Primeira Turma a decidir o destino de ambos, e qualquer que seja o
resultado, este dirá respeito apenas aos dois. Então por que o
diz-que-diz-que? Em 2016, por 6 a 5, o tribunal reafirmou jurisprudência
no julgamento do Recurso Extraordinário 964246, autorizando a execução
da pena depois da condenação em segunda instância, isto é, por um
Tribunal Regional Federal ou por um Tribunal de Justiça. Lê-se no
acórdão:
“Em regime de repercussão
geral, fica reafirmada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no
sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório
proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou
extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção
de inocência afirmado pela Constituição.”
Vamos
traduzir: a expressão “repercussão geral” quer dizer os tribunais
inferiores se vinculam à decisão tomada pelo STF. A votação da Primeira
Turma, nesta terça, não tem esse caráter. O caso diz respeito apenas aos
dois condenados.
Vamos relembrar sempre qual é o ponto. O Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição define o seguinte:
“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Já disse
que não conheço trecho mais claro na Constituição do que esse. Se o
sujeito não pode ser considerado culpado, como é que vai cumprir pena?
Aquele caso de 2016 foi relatado por Teori Zavascki. Com todo respeito
que merece sua memória, ele recorreu a uma falácia e acabou saindo
vitorioso. Qual? Lembrou que a terceira instância, STJ ou STF, não pode
lidar com as chamadas “questões de fato”. Vale dizer: não se faz reexame
de provas, por exemplo. Assim, por esse caminho, não se pode rever a
sentença. Então, disse o ministro, que seja executada. Ocorre que restam
as chamadas “questões de direito”, que podem, sim, mudar o destino de
um réu, com possibilidade, ainda que remota, de absolvição. E que
questões são essas? Falhas processuais, erro na aplicação da lei,
tipificação penal imprópria etc.
Ainda que
essas possibilidades não existissem, e elas existem, há a Constituição.
Se lá está escrito que só é culpado aquele que tem sentença transitada
em julgado, quando não cabe mais recurso, assim tem de ser. Goste-se ou
não.
Voltemos a Moraes
Em 2016, Alexandre de Moraes ainda não era ministro. Substituiu justamente Zavascki, um dos seis votos favoráveis à antecipação da pena. Para lembrar: os outros cinco foram Joaquim Barbosa, Roberto Barroso, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Deram voto contrário Celso de Mello, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Rosa Weber.
Em 2016, Alexandre de Moraes ainda não era ministro. Substituiu justamente Zavascki, um dos seis votos favoráveis à antecipação da pena. Para lembrar: os outros cinco foram Joaquim Barbosa, Roberto Barroso, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Deram voto contrário Celso de Mello, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Rosa Weber.
Notem:
Barbosa, a favor da antecipação, foi substituído por Edson Fachin, que
tem a mesma opinião. Se, nesta terça, Moraes der um voto contra a
execução antecipada da pena, vai se entender que, quando o pleno do
Supremo voltar ao tema, aí para uma decisão de mérito, aquele placar de 6
a 5 pode ter-se invertido, adequando a decisão ao que está na
Constituição. Mais: há quem aposte que Gilmar Mendes pode mudar seu
voto.
O PT está
de olho na votação. É claro que está preocupado com o risco de prisão de
Lula. Mantida a atual jurisprudência do STF, ele será preso, já votou a
turma do TRF-4, depois da resposta aos embargos de declaração. Mas isso
não o impediria, note-se, de conseguir um habeas corpus. Será que o
voto que Moraes der nesta terça será necessariamente a antecipação de
seu voto de mérito? É bom lembrar que tanto na sabatina como em
pronunciamentos posteriores, ele afirmou que o Supremo tinha de
revisitar a questão para pacificar a jurisprudência. Enquanto isso não
acontecesse, deu a entender que pode levar em conta o voto do colegiado.
Assim, nada impede que, vá lá, ele vote agora de acordo com a ainda
maioria e tome decisão distinta quando se julgar o mérito.
Outro voto
ao qual se deve prestar atenção é o de Rosa Weber. Em 2016, ela se
posicionou de forma contundente contra a execução antecipada da pena.
Ocorre que, de lá para cá, a questão se misturou, por exemplo, com o que
pode acontecer com Lula. Não nos esqueçamos de que o juiz Sérgio Moro
foi assessor do seu gabinete. Rosa pertence hoje ao grupo que chamo “Os
Quatro do Barulho”, composto ainda de Roberto Barroso (candidato a
pensador da turma), Luiz Fux e Edson Fachin. Essa turma não se vexa em
mandar garantias às favas em nome do que entende ser justiça. Embora ela
só tenha sido nomeada em razão de suas vinculações com o PT do Rio
Grande do Sul, não é impossível que mude seu voto desta feita, seguindo o
trio do pega-pra-capar, como um ato de deferência a Moro e para mostrar
que é independente.
Para
encerrar: Cármen Lúcia, para não variar, fez muito mal em vincular essa
questão da execução da pena à situação de Lula. O tema já estava posto
bem antes. De fato, seria casuísmo votar alguma coisa só para beneficiar
o petista. Mas também é casuísmo deixar de votá-la na presunção de que
ele possa ser prejudicado, não é mesmo?