Acredito que os brasileiros tenham sofrido um
impacto muito grande quando, em 28 de maio de 2007, um ministro japonês
de Agricultura, Floresta e Pesca cometeu suicídio, enforcando-se em sua
casa com uma corrente de guiar cachorro, por estar sob suspeita de
corrupção. Seu nome era Tashikatsu Matsuoka, tinha 62 anos e era acusado
de ter recebido US$ 107 mil de empresas do ramo de construção com
interesses na área de sua pasta. À época do suicídio, praticado horas
antes de seu depoimento perante um comitê parlamentar, Matsuoka contava
com 41% de aprovação entre os japoneses.
O impacto que suponho tenham os brasileiros
possivelmente sofrido não se restringe à violência do suicídio, mas ao
seu motivo. Parece impossível que exista no mundo nação tão correta, bem
organizada e apegada à honra e ao bom caráter como o Japão. É claro que
estar sob suspeita de corrupção deve causar vergonha, depressão,
arrependimento, no caso de os atos criminosos terem realmente ocorrido.
Mas, no Brasil, o sujeito que subtrai dinheiro público, mesmo sendo
condenado e preso, é fotografado e filmado externando as mais esdrúxulas
reações: rindo, fazendo gestos obscenos, levantando o punho cerrado
(insinuando ameaças do tipo “esperem o meu retorno”, ou “minha vingança
não tardará”, ou “fiz e farei de novo”, ou “vão se danar, idiotas”).
Isso eles fazem a caminho da carceragem ou da penitenciária!
Acima de tudo, é impactante um sujeito
suspeito de corrupção e com pedido de prisão já formulado pelo
Ministério Público ser convidado e aceitar assumir um ministério com o
fim de escapar dos rigores da lei e da Justiça, e, mais especificamente,
subtrair-se ao rigor judicante do excelente magistrado Sérgio Moro. E
quem faz o convite é nada menos que a presidente da República, que tem o
menor índice de aprovação da História recente do país.
O Brasil de hoje se apresenta ao mundo como
uma crônica do absurdo. O povo, inconformado com tanta desmoralização,
sai às ruas várias vezes, em passeatas pela moralidade, pela Justiça,
pelo fim da corrupção generalizada, pela paz social e pela recuperação
da economia. Os governantes surpreendem-se com o gigantismo dos
protestos, mas não se sentem em situação de pedir para sair. Parece que
os brios acabaram, venceu a pouca-vergonha. Querem o poder pelo poder,
nada de trabalhar pela nação, pelo desenvolvimento e pela segurança do
povo. Nada de espírito público, de respeito ao que pertence aos outros
ou ao Estado, nada de responsabilidade, seriedade, caráter. A gestão
pública foi pelos ares, estamos sob o império da “cara de pau”. O que se
lê nas entrelinhas é: eu roubei, mas você também roubou; não venha
tirar meu cargo senão eu vou tirar o seu; vamos ver quem pode mais e não
me provoque, que eu mando matar você… Enfim, nada se faz pelo povo,
qualquer coisa se faz para salvar a própria pele.
Os prefeitos Antônio da Costa Santos, o
Toninho do PT de Campinas, e Celso Daniel, de Santo André, também do PT, tiveram morte
violenta, respectivamente, em 10/9/2001 e 18/1/2002. Várias testemunhas
desses casos foram sendo assassinadas no decorrer dos processos
judiciais. Os casos não foram esclarecidos, ou seja, ainda não se
identificou a autoria, mas a motivação política dessas mortes salta aos
olhos. Estamos enfrentando uma verdadeira desgraça moral.
O último homem público a mostrar preocupação
com sua imagem, em terras brasileiras, foi Getúlio Vargas. Ele cometeu
erros, mas pagou-os com a própria vida. Foi ditador, entregou Olga
Benário, grávida, aos nazistas, mas Luiz Carlos Prestes, em lamentável
conduta posterior, aceitou dialogar com ele. Getúlio era autoritário,
mas ao menos prezava sua honra, tinha brios de homem público e não
admitia ser deposto. Semelhante aos governantes de hoje, achava governar
para o povo, era o “pai dos pobres”, porém seu governo derreteu antes
de chegar ao fim. Seu maior mérito foi ter deixado o cargo quando ficou
sem saída. Acabou com a própria vida, e isso não é pouco. Em atitude
diametralmente oposta, os governantes atuais preferem acabar com a vida
dos outros. [a bem da verdade: Olga Benário Prestes foi uma terrorista alemã, autora comprovada de vários crimes e julgada pela Justiça alemã, em época bem anterior a ascensão de Hitler; portanto, a extradição ocorreu em virtude de sentença condenatória anterior ao nazismo.
Quanto ao comportamento do comunista Prestes, a própria matéria mostra que aquele indivíduo era desprovido de caráter e desconhecia valores éticos e morais.]
Quem se dispõe a ocupar cargo público deve
saber que fará sacrifícios pessoais e terá de pensar no povo antes de
cuidar de si. Terá de perceber a grandeza de sua missão e submeter-se às
necessidades da nação. Precisará compreender serem as benesses do cargo
apenas facilitadoras dos encargos de quais deverá desincumbir-se. Terá
de ser consciente da extrema responsabilidade de um(a) político(a)
escolhido(a) pelo povo para gerir um país, um Estado, um município.
Abraçar a verdadeira política é ser abnegado, altruísta e, acima de
tudo, cioso de suas obrigações.
É por isso que o combate à corrupção deve ser
amplo, geral e irrestrito, perdurando para sempre na nossa cultura.
Nesse sentido, torna-se louvável a posição assumida pela Ordem dos
Advogados do Brasil, em reunião de seu Conselho Federal pleno, apoiada
pela Associação dos Advogados de São Paulo, que se pronunciaram de forma
uníssona pela instauração do processo de impeachment da presidente,
asseverando a observância do devido processo legal. Neste momento de
crise, a nós cabe lutar pela decência.
Jânio renunciou, Collor renunciou, mas Dilma
declarou que “não tem cara de quem vai renunciar”. [talvez quando seu 'neurônio solitário' encontrar alguma noção e a presidente se convença de que está perdida, opte pela solução adotada por Getúlio.] Nem com 6 milhões de
pessoas em passeata, protestando. Nem com a popularidade despencando a
cada minuto. Nem com o país afundando economicamente. Nem com a
carestia, a dengue, a zika, a inflação, o desgoverno, o desemprego, as
pressões. Nem com a bancarrota da Petrobras e com os escândalos da Lava
Jato. Nem com nada. Pena não sermos o Japão.
Fonte: Luiza Nagib Eluf - Estadão