Libertado
da cadeia pelo Supremo Tribunal Federal, Lula tornou-se prisioneiro de uma
fábula. Homenageado com o título de cidadão honorário de Paris, pronunciou na
capital francesa não um discurso, mas um atentado à historiografia. Condenado
por corrupção, Lula apresentou-se como perseguido. Colecionador de ações
penais, já amargou duas sentenças de segunda instância, uma delas confirmada no
terceiro grau. Mas disse ter sido preso de forma ilegal.
A certa altura, Lula caprichou no cinismo. Levava a tiracolo Dilma
Rousseff, que arruinou a economia do país e produziu um empregocídio. Ainda
assim, sentiu-se à vontade para encenar o papel de porta-voz dos oprimidos.
"É meu dever falar aqui em nome dos que sofrem, em meu país, com o
desemprego e a pobreza, com a revogação de direitos históricos dos
trabalhadores e a destruição das bases de um projeto de desenvolvimento
sustentável..." Pai do mensalão e do petrolão, responsável pela conversão
do PT em máquina coletora de propinas, Lula declarou: - "O que está
ocorrendo no Brasil é o resultado de um processo de enfraquecimento do processo
democrático, estimulado pela ganância de uns poucos..."
Lula
reiterou o lero-lero segundo o qual Dilma sofreu um "golpe
parlamentarl". Que foi seguido da "farsa judicial" que o levou à
prisão. Coisa de Sergio Moro, "um juiz que é hoje ministro do presidente
que ele ajudou a eleger com minha prisão." Esqueceu que a gestão pedalante
de Dilma foi condenada com os votos dos seus pseudoaliados, sob a supervisão de
Ricardo Lewandowski, um magistrado companheiro do Supremo. Desconsiderou que a
sentença de Moro foi ratificada na segunda e na terceira instância. Lula
ignorou, de resto, que o TRF-4 já pendurou no seu pescoço, na fase pós-Moro,
uma nova sentença de segunda instância por corrupção.
Sobre a
sucessão de 2018, Lula afirmou que Bolsonaro prevaleceu por ter sido "poupado
pelas grandes redes de televisão de enfrentar, em debates, o companheiro
[Fernando] Haddad." Fora de órbita, acrescentou: "Essa mídia,
portanto, é corresponsável pela ascensão de um presidente fascista ao governo
do Brasil." Ora, quem pariu Bolsonaro não foi a mídia. Deve-se a gravidez
ao próprio Lula, que se autoconverteu em principal cabo eleitoral do capitão. O
parto é obra do antipetismo, maior força política de 2018. Quando Roberto
Jefferson jogou o mensalão no ventilador, Lula ensinou à plateia que "o PT
fez, do ponto de vista eleitoral, o que é feito no Brasil
sistematicamente".
Ao notar
que o melado escorria além do desejável, Lula fugiu da cena do crime,
refugiando-se atrás da tese do "eu não sabia". E ficou por isso
mesmo. Sobreveio o petrolão, seguido da Lava Jato. Reduzido à condição de um
ficha suja inelegível, Lula tem dificuldades de se libertar da própria fábula.
No momento, a divindade petista dedica-se à construção de uma nova carreira.
Transformou-se num batedor de carteira da história.
Blog do Josias - Josias de Souza, colunista do UOL