"A trajetória ascendente da curva de poder do Supremo
parece ter encontrado o esgotamento do silêncio de dois atores: a OAB e o
Senado", avalia jornalista
Antes mesmo de ser votada a proposta de
emenda
constitucional da vedação a decisões monocráticas que contrariem
decisões do Congresso, o decano do
Supremo Tribunal Federal,
Gilmar Mendes,
prometeu que se a PEC for aprovada, será derrubada pelo
STF. No mesmo evento de anteontem, na Universidade Mackenzie, o
presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, certamente respondendo à nota
crítica da Ordem dos Advogados do Brasil, afirmou que os que veem
ativismo judicial do Supremo é porque não gostam da Constituição ou da
democracia. A forte nota termina dizendo que "a OAB continuará
insistindo para que o Tribunal cumpra as leis e a Constituição".
A gota d'água foi o impedimento de um advogado de fazer
a sustentação oral de um caso, num agravo na 1ª Turma. Barroso também
respondeu a uma crítica do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), no Correio Braziliense, de que drogas, aborto e marco temporal
são assuntos do Congresso, não do Supremo.
Segundo o ministro, não se
deve querer mudar decisões do Supremo — no caso das drogas, disse que a
Corte agiu para "corrigir uma política desastrosa".
Seria isso um início de reação dos advogados e dos
políticos ao crescente empoderamento do terceiro poder?
Teria esse
crescimento de poder no Supremo chegado ao limite suportável?
O economista Arthur Laffer desenhou numa curva o
resultado de suas observações sobre tributos.
Quanto mais sobem os
impostos, mais sobe a arrecadação.
Mas há um limite em que os pagadores
de impostos se cansam de pagar e se os impostos continuam subindo, a
arrecadação faz uma curva e começa a cair, como a trajetória de uma bala
de canhão.
É um fenômeno psico-social com consequência econômica e
política.
No campo político, outra trajetória ascendente
registraria o poder crescente de um dos três poderes, por ironia o único
sem representação expressa do voto.
O Supremo tem um inquérito que foi
criado sem Ministério Público, em que o tribunal é vítima e, ao mesmo
tempo, condutor absoluto.
Também tem julgamentos em que o tribunal é
vítima de invasões e julga e condena os invasores.
Julgamentos virtuais tolhem a manifestação oral e
presencial da defesa. Decisões que interferem de tal modo no Poder
Legislativo, que tornam o Supremo um criador ou revogador de leis.
Durante a pandemia,
deu aos governadores o poder de revogar cláusulas pétreas da Constituição. E, ampliando ainda o poder,
interfere no Ministério Público sobre arquivamento ou não de inquéritos.
A trajetória ascendente da curva de poder do Supremo
parece ter encontrado o esgotamento do silêncio de dois atores análogos
aos pagadores de impostos: a OAB e o Senado — dois agentes
fiscalizadores das leis, da Constituição e do próprio Supremo, como são
os senadores.
O presidente do Senado não quer que partidos derrotados
no voto usem o Supremo como "terceiro turno".
No discurso de posse na
presidência do STF, o ministro Luiz Fux identificou o desgaste do
Supremo por essas interferências.
O discurso é de setembro de 2020 —
depois disso, ampliou-se o desgaste.
Há um importante alerta, usado por Mário Henrique
Simonsen (ministro da Fazenda no governo Geisel e do Planejamento no
governo Figueiredo): o caso do trapezista que, cada vez mais enlevado
com seu poder de atravessar os ares do picadeiro, um dia convenceu-se de
que poderia voar e mandou tirar a rede.
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense