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sexta-feira, 26 de maio de 2017

As finanças do Flamengo: mesmo minado pelo passado, o milagre econômico continua

Eduardo Bandeira de Mello é cobrado por títulos, mas nunca pôde gastar a riqueza que gerou. O jogo começou a virar em 2016 – e tudo indica que continuará a melhorar 

"O Flamengo tem a justa fama de clube mau pagador. Não tem transparência. Não tem qualidade na governança. Chega a ser irresponsável no papel de contribuinte. [...] Não vamos descansar enquanto não conseguirmos equacionar esse passivo que não é só financeiro. É ético. É moral." 




Eis um trecho do discurso de posse de Eduardo Bandeira de Mello, no distante 12 de dezembro de 2012, perante dezenas de conselheiros e da constrangida  antecessora  Patrícia Amorim. Relembrar a ocasião parece chover no molhado. Em quatro anos, o cartola recuperou as finanças do clube. Mais do que isso, colou em sua gestão um selo raro no futebol brasileiro: o da boa administração. Com justiça. E sob pressão. Por parecer tão rico, o time ganhou a obrigação de ser campeão – coisa que, de fato, fez pouco. Ainda mais agora, eliminado na fase de grupos da Libertadores, o coro aumenta. E os títulos, Flamengo?

[A eliminação precoce    na Libertadores atrapalhou bastante. 
Felizmente, o Flamengo tem em 2017 várias competições e conseguirá diminuir a falta do título da Libertadores.
Matheus Sávio conseguiu aliviar um pouco o sentimento de culpa e merece uma outra chance.
Agora quem precisa sair do Flamengo, com urgência urgentíssima é o Rafael Vaz. Só atrapalha.
Precisa ser doado urgentemente, o importante para o Flamengo é que Rafael Vaz vá embora.]

A direção rubro-negra comanda um clube que, por causa das perversas administrações anteriores, não opera com capacidade plena. O faturamento, sim, explodiu em quatro anos. Foi de R$ 273 milhões em 2013 para R$ 469 milhões em 2016, um crescimento de 72% (guarde esse percentual). Isso aconteceu muito em função da reformulação moral que Bandeira citou em seu discurso de posse. A cena de um gigante do futebol sendo assumido por um time de executivos de grandes empresas ajudou a dobrar a receita do departamento comercial, triplicar a renda com bilheterias e sócios-torcedores, além do contrato de direitos de transmissão, que foi junto. Tudo dobrou, nestes quatro anos, e aí está a razão para a imagem de riqueza que colou e não desgruda do Flamengo de 2017.

O que pouca gente reparou é que, apesar de as receitas terem aumentado bruscamente, a maior parte disso foi usada para pagar dívidas, não para elevar despesas. O quesito que melhor indica a qualidade de um time de futebol, no aspecto financeiro, é o gasto com remunerações. Aqui contam salários, direitos de imagem e direitos de arena. A equipe de 2013 custava R$ 124 milhões. Quatro anos depois, a de 2016 demandou R$ 155 milhões. Repare que as remunerações subiram 25% enquanto o faturamento aumentou em 72%. A diferença entre um percentual e outro é explicada pelas dívidas. A maior parte do incremento de arrecadação foi parar não no Flamengo de 2016, mas nos times de 2012, 2011, 2010... Aqueles que entraram em campo, por vezes foram campeões, mas não receberam tudo o que os cartolas da época prometeram que pagariam.

O endividamento dá o tom sobre o milagre econômico que Bandeira realizou nestes quatro anos. Em 2012, o clube devia R$ 726 milhões na praça. O problema foi reduzido ano a ano graças aos superávits – o saldo entre receitas e despesas operacionais. As dívidas fiscais foram alongadas em 2015, depois que o governo federal instituiu o Profut e permitiu aos times de futebol parcelar seus débitos em até 20 anos, com descontos em multas, juros e encargos. A gestão conseguiu manter em pé o acordo do Ato Trabalhistao único entre os grandes do Rio de Janeiro que não foi excluído nesse meio-tempo. 

Trata-se de uma fila de ex-funcionários a quem o clube deve. Os dirigentes pagam todo mês alguma quantia, e os credores vão recebendo até que a fila acabe. As reduções dessas duas dívidas, fiscal e trabalhista, fizeram com que o Flamengo devesse R$ 470 milhões em 2016.

A boa reputação financeira faz torcedores e imprensa acreditar que os problemas financeiros acabaram na Gávea. Não acabaram. Embora gere muita receita, a direção de Bandeira não gera receita suficiente para arcar com as despesas e ainda com as dívidas de curto prazo. O passado ainda pesa sobre os ombros dos dirigentes rubro-negros. E o clube gira com empréstimos bancários. De 2013 para a frente, o time tomou R$ 50 milhões com instituições financeiras em praticamente todas as temporadas. Só em 2016 o montante de novos empréstimos caiu para R$ 36 milhões. A dívida bancária ainda é grande. Em dezembro de 2016, o clube tinha um débito de R$ 112 milhões com bancos, uma dívida problemática porque acompanha juros agressivos e gera uma despesa financeira considerável – mais uma que tira do futebol. Não havia outra saída.

A comparação com o Palmeiras, outro novo-rico do futebol brasileiro, é inevitável. As dívidas palmeirenses foram aliviadas por um caminho diferente. Paulo Nobre, bilionário e presidente, injetou R$ 200 milhões pessoais e sanou o endividamento alviverde. Isso, somado ao patrocínio de Leila Pereira e à estabilidade financeira que o Allianz Parque proporcionou, fez com que os paulistas subissem a folha salarial de R$ 97 milhões em 2013 para R$ 198 milhões em 2016. Como o Flamengo teve de tomar outro caminho para reduzir e alongar suas dívidas, a folha rubro-negra subiu de R$ 124 milhões para os R$ 155 milhões já mencionados parágrafos atrás. Na realidade, o Flamengo só chegou ao "segundo lugar" em gastos com remunerações em 2016, seguido de perto por Cruzeiro e São Paulo, times que estão próximos da casa dos R$ 150 milhões. Em 2015, já com a reputação de ricaço, o time era apenas o sétimo da lista.

Nada disso tira do departamento de futebol flamenguista, comandado pelo executivo Rodrigo Caetano, a obrigação de conseguir resultados. A queda na primeira fase da Libertadores em 2017 é certamente decepcionante. A eliminação precoce na Copa do Brasil de 2016 diante do Fortaleza também foi um vexame, mesmo com o terceiro lugar no Campeonato Brasileiro. O Flamengo já tem porte financeiro (não só em receitas, mas em gastos) para peitar qualquer grande equipe sul-americana. Falta eficiência no investimento. Mas os resultados abaixo da expectativa precisam ser digeridos com sobriedade. Em primeiro lugar porque eles não desmerecem, de jeito nenhum, os significativos avanços feitos pela gestão de Bandeira nos campos administrativo, jurídico e financeiro. E, depois, porque talvez a expectativa seja exagerada por um punhado de motivos. O clube é festejado publicamente pela gestão, marcado pela riqueza, mas na realidade não pôde gastar tudo o que arrecadou com o presente porque tem uma herança desgraçada.

A perspectiva para 2017 é mais uma vez positiva, apesar do fracasso na Libertadores. O orçamento feito no término de 2016 é o único no país a prever um superávit superior a R$ 50 milhões – um dinheiro que tende a ser consumido mais por dívidas do que por investimentos. De novo. E há reviravoltas. A transferência de Vinicius Júnior para o Real Madrid deve render cerca de R$ 100 milhões limpos, já descontados impostos e comissões, um dinheiro inesperado e sem precedentes. O clube não tem bom histórico como vendedor de jogadores. Talvez seja a primeira ocasião em que Bandeira poderá pôr as mãos numa fortuna e usar a maior parte dela para investir, seja em atletas, seja em infraestrutura, em vez de vê-la parar nos bolsos de credores. 

Ainda que o imbróglio com o Maracanã esteja longe de ser resolvido com Odebrecht e governo do Rio, problema que sacrificará rendas flamenguistas com bilheterias e sócios-torcedores, o dirigente chega enfim ao ano em que poderá gastar. 

A probabilidade de títulos está aumentando, Flamengo.

>> Especial: As análises individuais das finanças de 18 clubes