Depois da instalação dos generais no poder, o capital continuou
apoiando a ditadura, mas com variações. Os mais liberais, em clara
minoria, logo se decepcionaram. Esperavam um governo de transição e
eleições em 1965, entre Lacerda e Kubitschek, não importando qual deles
ganhasse. O governo JK havia gerado muitos negócios. [naquela época o nome era 'negócios'.].
Houve uma mudança significativa no governo Geisel (1974/79) – uma espécie de antecipação dos campeões nacionais. No programa de desenvolvimento da indústria de base, Geisel criou o modelo tripartite – a formação de grandes empresas com capital dividido entre o governo, uma multinacional e um empresário local.
Com o tempo surgiu uma geração de novos empresários brasileiros, geiselistas fiéis. Até que vieram as crises econômicas – primeiro a do petróleo e depois da alta dos juros nos EUA, que quebrou a AL. A ditadura começou a ser contestada no lado da gestão econômica. Seria mesmo necessário um “regime forte” para promover o desenvolvimento capitalista?
Nesse momento, começo dos 80, combinaram-se fatores políticos e econômicos. No primeiro caso, acentuava-se a repulsa à ditadura, aos porões da tortura, ao controle da política partidária, à censura. De outro lado, as sucessivas crises da dívida externa e a recessão retiraram da ditadura seu último argumento: a eficiência econômica. Foi o fim.
Como aconteceu nesta semana, setores empresariais começaram a apoiar as manifestações pró-democracia que surgiam nos meios jurídicos, acadêmicos e políticos, liderados por gigantes como Ulysses Guimarães, Tancredo, Franco Montoro.
Enfim, vai prevalecendo a tese de que o desenvolvimento capitalista requer um ambiente de liberdade. Cai a ditadura por aqui e, desgraçadamente, o país democratizado passa por seguidas convulsões econômicas – hiperinflação, contas públicas no buraco e a falta de dólares que levou Sarney a decretar moratória. Sem moeda e caloteiros – assim estávamos.
Foi assim até o Real de FHC. Não foi apenas uma nova moeda, estável. Mas toda uma construção – responsabilidade fiscal, acerto das contas externas, privatizações em setores chaves, reforma administrativa e uma quase reforma da previdência. O país mudou da água para o vinho, bom vinho. Capital e democracia estavam de bem. Era tamanha a estabilidade que se tornou possível a eleição e posse de Lula. Verdade que houve turbulência nos mercados – dólar foi a R$ 4,00 na véspera da eleição (setembro de 2002), o que equivaleria hoje a mais de dez reais.
Tudo se acalmou com a ortodoxia econômica de Lula e o boom das comodities. O capital adorou. Mas tudo se estragou com as sucessivas lambanças do PT = mensalão, petrolão, volta da inflação elevada e dois anos de recessão.
Surgiu o anti-petismo, apeado amplamente pelo capital. E o país caiu nesse horror de Bolsonaro. [em que pese a notória competência do ilustre Sardenberg, ele tem uma pauta da cumprir.]
O empresariado, como vimos nas últimas semanas, está abandonando
Bolsonaro. E flertando com Lula, esperando que seja o do primeiro
mandato. E com alguma desculpa pelos erros. [curioso: abandonando e Bolsonaro crescendo - em um simples bate-papo conseguiu uma audiência e atenção que os esquerdistas não conseguiram com a cartinha, ou cartinhas; o Manifesto pró LIBERDADES e pró Bolsonaro, lançado depois da primeira cartinha e sem nenhuma divulgação pela velha imprensa, já soma mais assinaturas do que todas as cartinhas somadas = aliás, se assinaturas tivessem o valor que atribuem quando falam das cartinhas o ministro Moraes há muito teria sido impedido = um dos abaixo-assinados pelo seu impeachment ultrapassou mais de 2.000.000 de assinaturas.]
A ver.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
Coluna publicada em O Globo