Revista Oeste
Vice aproveita a viagem de Lula e assume a presidência das pequenas causas
Alckmin dá parabéns a caratecas com frase de Karatê Kid | Foto: Reprodução
“Brasileiro
só valoriza campeão”, constatou Nelson Piquet. “Aqui, o vice é o
primeiro dos últimos.” Verdade.
Por não estabelecer um novo recorde
mundial a cada prova de salto triplo, o grande João do Pulo passou a ser
chamado de “João de um Pulo”.
Esse bizarro traço da alma nacional se
estende a todas as modalidades esportivas, mas não para por aí.
A regra
vale, por exemplo, para concursos de beleza: uma representante do Brasil
só virava capa de revista com a faixa de Miss Universo enfeitando o
corpo perfeito.
Por que seria diferente nos torneios da política? No
sistema eleitoral em vigor, o vice-presidente não recebe um único voto.
Vota-se no candidato a número 1 do país. O reserva vem junto.
Sei
de muitos eleitores que ajudaram a eleger um chefe de governo apesar do
seu companheiro de chapa. Não sei de um só vivente que tenha escolhido
algum presidente por gostar do seu reserva.
Milhões de brasileiros,
aliás, nem se dão ao trabalho de decorar o nome completo do vice antes
de apertarem as teclas da urna eletrônica.
Esse desdém pode resultar em
encrencas de bom tamanho.
Em 1984, por exemplo, o Brasil foi dormir com
Tancredo Neves e acordou com José Sarney. Pior: Sarney permaneceu no
poder por intermináveis cinco anos. Foi o túnel no fim da luz, resumiu
Millôr Fernandes.
Pode-se
argumentar que, nesse caso, só participaram da eleição os integrantes
do Colégio Eleitoral.
Mas a história da República ensina que o povo não
precisa de intermediários para formar duplas destinadas a reiterar que o
que está ruim sempre pode ficar péssimo. Foi assim em 1960, quando se
votava separadamente nos candidatos a vice e a presidente.
Eleito pela
UDN, Jânio Quadros renunciou ao cargo sete meses depois da posse. Foi
substituído por João Goulart, do PTB.
A sequência de crises desembocou
na tomada do poder pelos militares em 1964. Só em 1989, com a volta das
eleições diretas, os brasileiros voltaram a escolher o presidente — e a
errar ou acertar sem a colaboração de tutores fardados.
Enquanto
o presidente titular dá um jeito nos problemas do mundo,[e envergonha o Brasil] o interino
acelera o expediente numa espécie de juizado de pequenas causas
vinculadas ao Poder Executivo
A passagem precoce da faixa
presidencial é marca de nascença: desde a Proclamação da República, oito
vices completaram o mandato do eleito.
A fila é puxada por Floriano
Peixoto, substituto do primeiro chefe de governo republicano, Deodoro da
Fonseca.
Não entra nessa conta Manuel Vitorino, que ocupou por quatro
meses o cargo de Prudente de Morais (1894-1898), licenciado por motivos
de saúde.
Nesse curto período, o impetuoso político baiano trocou o
Ministério, ordenou mais um ataque militar a Canudos e comprou o Palácio
do Catete para ali instalar a nova sede do governo.
No momento,
o número 2 do país é Geraldo Alckmin, empenhado 25 horas por dia em
provar que, embora pareça mentira, o tucano que acusava Lula de ter
saqueado o Brasil hoje é o mais fiel dos seus devotos.
Para tanto, faz
coisas de que até Deus duvida — Deus e os orixás, como informou esta
coluna ao descobrir que Alckmin andava imitando o mais célebre político
do Brasil republicano.
Há alguns meses, contei que Getúlio Vargas era a
mais ilustre e mais lacônica das entidades que baixavam no terreiro de
umbanda de Taquaritinga. Para avisar que acabara de incorporar o
presidente suicida, o pai de santo repetia a abertura dos discursos
feitos por Vargas nos festejos do 1º de Maio no Estádio São Januário:
“Trabalhadores do Brasilllllllll!” (O “L” final, pronunciado com sotaque
dos pampas, exige que a língua encoste no palato). E só: declamada a
saudação, Getúlio caía fora do terreiro.
Pois
desde abril de 2022 desconfio que o mesmíssimo Getúlio que frequentava
minha cidade baixou em Geraldo Alckmin. “Viva Lula!”, berrou num comício
da companheirada o ex-carola que trocou o PSDB pelo socialismo à
brasileira e resolveu acompanhar como candidato a vice o regresso do
velho desafeto à cena dos muitíssimos crimes. “Viva os trabalhadores do
Brasilllllll!”, foi em frente. O “L” com fortíssimo sotaque mostrou que Alckmin não se limitou a mudar de partido,
de chefe, de religião, de discurso e de caráter. Para chegar à
Vice-Presidência, o paulista de Pindamonhangaba topou até tornar-se
gaúcho de São Borja. Não é pouca coisa.
Mas
foi só o começo, soube-se nesta semana. Com Lula em Nova York, Alckmin
tentou mais uma vez provar que o Brasil sai ganhando: enquanto o
presidente titular dá um jeito nos problemas do mundo, o interino
acelera o expediente numa espécie de juizado de pequenas causas
vinculadas ao Poder Executivo.
Livre da trabalheira doméstica, Lula
preparou-se para o papel de quem quer ajudar o belicoso Zelensky a
ganhar a guerra entregando outro pedaço da Ucrânia ao pacifista Putin.
Poupado de complicações internacionais, Alckmin preparou-se
adequadamente para cuidar de setores cuja relevância só é compreendida
por quem não perde a missa das dez.
Graças a tais virtudes, o
atento interino fez bonito no vídeo que registrou, neste 17 de setembro,
o encerramento de um campeonato de caratê que reuniu em São Paulo 3 mil
atletas. “O ginásio ficou pequeno pra tantos caratecas, que treinam com
muita disciplina e enchem de orgulho o nosso esporte”, comoveu-se
Alckmin. Depois de cumprimentar os pais, os familiares, os dirigentes e a
plateia, decidiu impressionar quem tem intimidade com o universo
carateca. “Lembre-se sempre do ensinamento do mestre Miyagi, em Karatê
Kid”, recitou. “A vida pode te derrubar, mas você decide a hora de
levantar.”
Dado
o recado, fechou a mão direita, encostou-a na mão esquerda espalmada e
curvou-se com a desenvoltura de quem, depois de erguido pela carreira
política, resolveu sobreviver de cócoras. Sete anos mais novo que Lula, é
compreensível que o ex-tucano aposte em fatores biológicos. Mas convém
desconfiar do PT: o partido da estrela vermelha não costuma engolir
conversões tardias e odeia subordinar-se a aliados recentes. Se o cargo
ficar vago, o vice ouvirá antes da festa de posse o recorrente grito de
guerra: “FORA, ALCKMIN!”.[grito de guerra inútil:quando Alckmin assumir para concluir o mandato do presidente mascate, lhe restará um período de mais de 30 meses para consolidar o seu governo. Fez isso com Covas e funcionou.]