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sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Alquimista de cócoras - Augusto Nunes

Revista Oeste

Vice aproveita a viagem de Lula e assume a presidência das pequenas causas


 Alckmin dá parabéns a caratecas com frase de Karatê Kid | Foto: Reprodução
 
“Brasileiro só valoriza campeão”, constatou Nelson Piquet. “Aqui, o vice é o primeiro dos últimos.” Verdade. 
Por não estabelecer um novo recorde mundial a cada prova de salto triplo, o grande João do Pulo passou a ser chamado de “João de um Pulo”.
Esse bizarro traço da alma nacional se estende a todas as modalidades esportivas, mas não para por aí. 
A regra vale, por exemplo, para concursos de beleza: uma representante do Brasil só virava capa de revista com a faixa de Miss Universo enfeitando o corpo perfeito. 
Por que seria diferente nos torneios da política? No sistema eleitoral em vigor, o vice-presidente não recebe um único voto. Vota-se no candidato a número 1 do país. O reserva vem junto. 
 
Sei de muitos eleitores que ajudaram a eleger um chefe de governo apesar do seu companheiro de chapa. Não sei de um só vivente que tenha escolhido algum presidente por gostar do seu reserva. 
Milhões de brasileiros, aliás, nem se dão ao trabalho de decorar o nome completo do vice antes de apertarem as teclas da urna eletrônica. 
Esse desdém pode resultar em encrencas de bom tamanho. 
Em 1984, por exemplo, o Brasil foi dormir com Tancredo Neves e acordou com José Sarney. Pior: Sarney permaneceu no poder por intermináveis cinco anos. Foi o túnel no fim da luz, resumiu Millôr Fernandes.
 
Pode-se argumentar que, nesse caso, só participaram da eleição os integrantes do Colégio Eleitoral. 
Mas a história da República ensina que o povo não precisa de intermediários para formar duplas destinadas a reiterar que o que está ruim sempre pode ficar péssimo. Foi assim em 1960, quando se votava separadamente nos candidatos a vice e a presidente. 
Eleito pela UDN, Jânio Quadros renunciou ao cargo sete meses depois da posse. Foi substituído por João Goulart, do PTB. 
A sequência de crises desembocou na tomada do poder pelos militares em 1964. Só em 1989, com a volta das eleições diretas, os brasileiros voltaram a escolher o presidente — e a errar ou acertar sem a colaboração de tutores fardados.

Enquanto o presidente titular dá um jeito nos problemas do mundo,[e envergonha o Brasil]  o interino acelera o expediente numa espécie de juizado de pequenas causas vinculadas ao Poder Executivo

A passagem precoce da faixa presidencial é marca de nascença: desde a Proclamação da República, oito vices completaram o mandato do eleito
A fila é puxada por Floriano Peixoto, substituto do primeiro chefe de governo republicano, Deodoro da Fonseca. 
Não entra nessa conta Manuel Vitorino, que ocupou por quatro meses o cargo de Prudente de Morais (1894-1898), licenciado por motivos de saúde. 
Nesse curto período, o impetuoso político baiano trocou o Ministério, ordenou mais um ataque militar a Canudos e comprou o Palácio do Catete para ali instalar a nova sede do governo. 
 
No momento, o número 2 do país é Geraldo Alckmin, empenhado 25 horas por dia em provar que, embora pareça mentira, o tucano que acusava Lula de ter saqueado o Brasil hoje é o mais fiel dos seus devotos. 
Para tanto, faz coisas de que até Deus duvida — Deus e os orixás, como informou esta coluna ao descobrir que Alckmin andava imitando o mais célebre político do Brasil republicano. 
Há alguns meses, contei que Getúlio Vargas era a mais ilustre e mais lacônica das entidades que baixavam no terreiro de umbanda de Taquaritinga. Para avisar que acabara de incorporar o presidente suicida, o pai de santo repetia a abertura dos discursos feitos por Vargas nos festejos do 1º de Maio no Estádio São Januário: “Trabalhadores do Brasilllllllll!” (O “L” final, pronunciado com sotaque dos pampas, exige que a língua encoste no palato). E só: declamada a saudação, Getúlio caía fora do terreiro.

Pois desde abril de 2022 desconfio que o mesmíssimo Getúlio que frequentava minha cidade baixou em Geraldo Alckmin. “Viva Lula!, berrou num comício da companheirada o ex-carola que trocou o PSDB pelo socialismo à brasileira e resolveu acompanhar como candidato a vice o regresso do velho desafeto à cena dos muitíssimos crimes. “Viva os trabalhadores do Brasilllllll!”, foi em frente. O “L” com fortíssimo sotaque mostrou que Alckmin não se limitou a mudar de partido, de chefe, de religião, de discurso e de caráter. Para chegar à Vice-Presidência, o paulista de Pindamonhangaba topou até tornar-se gaúcho de São Borja. Não é pouca coisa.

Mas foi só o começo, soube-se nesta semana. Com Lula em Nova York, Alckmin tentou mais uma vez provar que o Brasil sai ganhando: enquanto o presidente titular dá um jeito nos problemas do mundo, o interino acelera o expediente numa espécie de juizado de pequenas causas vinculadas ao Poder Executivo. 

Livre da trabalheira doméstica, Lula preparou-se para o papel de quem quer ajudar o belicoso Zelensky a ganhar a guerra entregando outro pedaço da Ucrânia ao pacifista Putin. 
Poupado de complicações internacionais, Alckmin preparou-se adequadamente para cuidar de setores cuja relevância só é compreendida por quem não perde a missa das dez.

Graças a tais virtudes, o atento interino fez bonito no vídeo que registrou, neste 17 de setembro, o encerramento de um campeonato de caratê que reuniu em São Paulo 3 mil atletas. “O ginásio ficou pequeno pra tantos caratecas, que treinam com muita disciplina e enchem de orgulho o nosso esporte”, comoveu-se Alckmin. Depois de cumprimentar os pais, os familiares, os dirigentes e a plateia, decidiu impressionar quem tem intimidade com o universo carateca. “Lembre-se sempre do ensinamento do mestre Miyagi, em Karatê Kid”, recitou. “A vida pode te derrubar, mas você decide a hora de levantar.”

Dado o recado, fechou a mão direita, encostou-a na mão esquerda espalmada e curvou-se com a desenvoltura de quem, depois de erguido pela carreira política, resolveu sobreviver de cócorasSete anos mais novo que Lula, é compreensível que o ex-tucano aposte em fatores biológicos. Mas convém desconfiar do PT: o partido da estrela vermelha não costuma engolir conversões tardias e odeia subordinar-se a aliados recentes. Se o cargo ficar vago, o vice ouvirá antes da festa de posse o recorrente grito de guerra: “FORA, ALCKMIN!”.[grito de guerra inútil:quando Alckmin assumir para concluir o mandato do presidente mascate, lhe restará um período de mais de 30 meses para consolidar o seu governo. Fez isso com Covas e funcionou.]


Leia também “O triunfo da injustiça”

Coluna Augusto Nunes, Revista Oeste

 


terça-feira, 7 de setembro de 2021

À espera de Bolsonaro, Paulista tem reza e gritos contra Doria e o STF - Blog Maquiavel

O bolsonarista Nelson Piquet agora é motorista do presidente

Tricampeão mundial de Fórmula 1, piloto dirigiu o Rolls-Royce que conduziu o presidente para a cerimônia de hasteamento da bandeira no Dia da Independência 

O ex-piloto Nelson Piquet, tricampeão mundial de Fórmula 1, deu um passo à frente na sua conversão ao bolsonarismo: atuou hoje como motorista do Rolls-Royce que levou o presidente Jair Bolsonaro e a primeira-dama Michelle Bolsonaro para a cerimônia de hasteamento da bandeira no Dia da Independência.

A cerimônia, que é oficial e ocorreu no Palácio da Alvorada, não contou com a presença de nenhum outro chefe de poder, como ocorre tradicionalmente. Neste ano, por decisão de Bolsonaro, não haverá desfile militar alusivo à data. Desde a noite de ontem, milhares de manifestantes vêm se concentrando na Esplanada dos Ministérios para participar de manifestação em apoio ao presidente.

Há tempos, Piquet vem se aproximando de Bolsonaro. Já o recebeu em sua mansão, já esteve com ele no Palácio do Planalto e já integrou a comitiva de Bolsonaro durante uma viagem ao Acre.

O empresário Luciano Hang, o presidente Jair Bolsonaro e o piloto Nelson Piquet
O empresário Luciano Hang, o presidente Jair Bolsonaro e o piloto Nelson Piquet Divulgação/Divulgação

Também tem comungado cada vez mais do discurso do presidente, como as críticas à TV Globo – em mais de uma vez, ele chamou a emissora de “Globolixo”, uma expressão usada com frequência pelos bolsonaristas.

Manifestantes discursam em carros de som contra Alexandre de Moraes, o governador e em defesa do voto impresso, da intervenção militar e do agronegócio... 

Milhares de manifestantes tomam a Avenida Paulista, na região central de São Paulo, desde o final desta manhã, para apoiar Jair Bolsonaro, defender suas pautas – como a volta do voto impresso — e gritar contra os adversários do presidente.

Além dos protestos contra o Supremo Tribunal Federalem particular o ministro Alexandre de Moraes, alçado à condição de vilão do bolsonarismo –, em São Paulo os gritos também são direcionados a um adversário em particular: o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
O tucano, que é pré-candidato à Presidência da República em 2022, tem se colocado como contraponto ao presidente principalmente nas questões relacionadas à pandemia, como a defesa da vacina e do isolamento social, o que o deixou em rota de colisão com o bolsonarismo. [o tucano, tenta ser pré candidato do PSDB; seu adversário é aquele rapaz, Eduardo, governador do RS.]

Boa parte dos manifestantes, aliás, não usa máscaras ou, se usa, as coloca no queixo. Também há vários pontos de aglomeração. Dois caminhões de som foram colocados na altura da faculdade Cásper Líbero a via é normalmente fechada aos domingos e feriados –, além de um boneco do presidente Bolsonaro.

Além de gritar contra o STF e Doria, os manifestantes defendem o agronegócio e os ruralistas, pedem intervenção militar com Bolsonaro no poder alguns usam farda e coturno –, empunham bandeiras do Brasil e de Israel e fazem orações e coletam assinaturas para a criação do Aliança pelo Brasil, o partido que o presidente pretende criar, mas que encontra dificuldades para sair do papel. Também entoam gritos de “Lula ladrão”, em referência ao ex-presidente, hoje o principal adversário de Bolsonaro na corrida ao Planalto.

A expectativa é que Bolsonaro vá à avenida no final da tarde para falar aos manifestantes, como anunciou durante a semana. Em Brasília, o presidente discursou atacando o STF e dando uma espécie de ultimato ao tribunal para que afaste o ministro Alexandre de Moraes da função.

Blog Maquiavel - VEJA

 

sábado, 29 de fevereiro de 2020

“Não há inocentes”, diz ex-senador Luiz Estevão, preso por corrupção - VEJA







Em 1998, já bilionário, Estevão elegeu-se senador, o primeiro da história a ser cassado, sob a acusação de ter desviado 169 milhões de reais da obra do TRT de São Paulo. Depois disso, foi condenado por corrupção e tornou-se o primeiro figurão a ser preso após uma decisão de segunda instância. Após três anos em regime fechado, o ex-senador, de 70 anos, está cumprindo pena em regime semiaberto, ou seja, trabalha durante o dia e dorme na prisão. Nesta entrevista a VEJA, concedida num escritório imobiliário no centro de Brasília, ele fala da rotina na penitenciária da Papuda, onde conviveu com condenados da Lava-Jato e do mensalão, explica de maneira crua como funciona a engrenagem da corrupção no país, tece elogios ao ministro Sergio Moro e ainda confirma que reformou clandestinamente o presídio a pedido de Márcio Thomaz Bastos (morto em 2014), ex-ministro da Justiça.

Qual o status do senhor hoje?
Fui condenado a 25 anos de prisão por peculato, estelionato e corrupção. Estou cumprindo pena no regime semiaberto, o que me credencia a trabalhar todo dia. Saio da Papuda às 7 da manhã e volto às 21 horas. Durante o dia, de segunda a sábado, sou obrigado a ficar aqui na imobiliária. Vendo e alugo imóveis pessoalmente, oriento os corretores. Posso ver minha família a cada quinze dias, na chamada “saidinha”, que é quando o preso tem o direito de passar um fim de semana em casa. Essa situação deve perdurar até o fim de 2020, aí passo para o aberto. Pelo lado financeiro, meus bens continuam bloqueados pela Justiça, eu devia quase 800 milhões de reais do dinheiro que me acusam de ter desviado e me cobram uns 2 bilhões em impostos.
“O empresário não é vítima. Digamos que ele torce para ser vítima, torce para ser chamado para uma ‘conversinha’. Quando ele recebe o convite, sai soltando foguetes”
Empresários apanhados em casos de corrupção costumam se apresentar como vítimas de achaque… 
O empresário não é vítima. Digamos que ele torce para ser vítima, torce para ser chamado para uma “conversinha”. Quando recebe um convite para uma “conversinha”, ele não sai chorando da sala, sai soltando foguetes. Qualquer personagem do mundo da corrupção, não é episódico, aprendeu um modus vivendi, aprendeu uma maneira de ganhar dinheiro. Nesse submundo, não há inocentes. Quando surge uma obra, o cara do órgão público, que representa um político ou um grupo político, indica um operador. E aí se inicia um processo que não tem limites, em que todos passam a ganhar.

Como assim? 
O tal operador aparece e diz que precisa de dinheiro para financiar campanhas políticas. Ou seja, arruma uma desculpa moral para a extorsão. Ele nunca diz que parte daquele dinheiro é também para comprar uma casa na Côte d’Azur ou em Miami. O empresário, por sua vez, argumenta que, para pagar a propina solicitada, tem de emitir nota fiscal, tem impostos a saldar e precisa criar toda uma estrutura para tirar a propina do caixa da empresa — e recebe o sinal verde para ajustar seus custos. Nesse momento, está rompido o equilíbrio que deveria existir entre contratante e contratado. O empresário e o agente público ficam do mesmo lado. Aí, meu amigo, o céu é o limite. Uma obra que deveria custar 50 pula para 80, 100, 120. Essa foi a regra durante muitos e muitos anos.

(.....)
Como é a rotina de um bilionário na cadeia?
O drama maior não é a perda de conforto. O drama é a privação da liberdade. Você dorme numa cama menos confortável, contorna o fato de ter de conviver 24 horas por dia com um grupo de pessoas com as quais não tem nenhuma afinidade, nunca tinha visto antes, e direciona seu foco para coisas produtivas, principalmente a leitura. Foi o que fiz nesses três anos: li muito, mais de 500 livros, e estudei muito.

Várias vezes se noticiou que o senhor tinha uma série de privilégios no presídio. 
Nunca tive privilégio nenhum. O que há é o seguinte: eu tinha conhecimento dos meus direitos, e cobrava. Por exemplo, a Lei de Execução Penal diz que o preso tem direito a continuar exercendo suas atividades culturais uma vez que ele esteja na cadeia. Então, quis receber meus livros, quis receber visitas. Não há mordomias. A comida é a mesma quentinha de todos os presos. O máximo é fazer o que chamamos de um “melhorado”, adicionando um tempero, um molho, para dar um pouco mais de sabor. Para malhar, usava garrafas de produtos de limpeza: enchia de água, amarrava a ponta e improvisava como haltere.


(.....)
E quem pagou por essa obra? Eu apresentava as notas fiscais das despesas, e o ministro pessoalmente me reembolsava. Não gastei nada do meu bolso. Foi tudo pago pelo doutor Márcio, um total de 800 000 reais. Eu chegava lá no escritório dele em São Paulo, apresentava os comprovantes, e ele me pagava em dinheiro. Umas poucas vezes, o pagamento se deu por transferência bancária. Mas repito: a reforma não foi para mim. Se você me perguntar se em 2012, quando essa obra foi feita, eu esperava ser preso, a resposta é não.
“Depois da Lava-Jato, a roubalheira diminuiu muito, porque as pessoas agora têm medo da prisão. A corrupção passou a ser um caminho perigoso”
Como foi a convivência na prisão com os condenados do mensalão e da Lava-Jato?
Conheci o Zé Dirceu (ex-ministro do governo Lula, condenado por corrupção), o Geddel (Vieira Lima, ex-ministro do governo Temer, condenado por corrupção), o Rocha Loures (ex-assessor do presidente Temer, acusado de corrupção) e outros. Eu e Zé Dirceu dividimos a mesma cela, dormimos na mesma cela, tivemos uma convivência extremamente boa. Ele não reclama de nada, não se queixa de nada, nunca o vi se lamentando, o que também é o meu perfil. Já o Geddel chorava muito. Aliás, não apenas ele. Estive com o Henrique Pizzolato (petista, condenado no mensalão), com o Ramon Hollerbach (publicitário, condenado no mensalão). Muitos deles enfrentaram situações de profunda depressão, a ponto de eu chegar e dizer: ‘Você não vai tomar remédio agora não. Seu remédio vai ficar comigo, e eu vou lhe dar todo dia a dose certa”. Com que autoridade eu fazia isso? Nenhuma. Mas pensava: “Esse cara um dia vai se matar”. Havia uma preocupação muito grande com a possibilidade de suicídio de alguns desses presos do mensalão e da Lava-Jato.

Há diferença entre um preso comum e um detento bilionário?
No geral, nenhuma. Fiquei 1 200 dias preso em regime fechado. É uma tragédia para qualquer pessoa. Fazia um risquinho no calendário todos os dias. Talvez a diferença seja que você recebe muitos pedidos e acaba se sensibilizando com a situação de precariedade de algumas pessoas. A reação natural é procurar ajudar. Então fui advertido: “Olha, isso aí pode configurar um problema, porque ninguém pode exercer o papel de liderança na cadeia”. Depois disso, a única coisa que fiz, e com a autorização da juíza, foi arrumar emprego para parentes de presos nas empresas da minha família.

Seu caso provocou a mudança de entendimento do Supremo, em 2016, sobre a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância, que acabou revogada no ano passado. 
Na época, achava que a decisão do STF foi um casuísmo para me prender. Hoje, vejo a prisão após a condenação em segunda instância como uma necessidade. Ao contrário do que se diz, ela não é maléfica para o réu. O índice de reforma de sentenças no STJ e no STF é muito pequeno. O réu fica na ilusão de que ele tem quatro instâncias, mas, na prática, só procrastina a execução da pena. Inexplicavelmente, o Supremo recuou no ano passado. Alguns ministros, provavelmente, perceberam que a prisão em segunda instância criava um cenário que não era do agrado deles.

MATÉRIA COMPLETA em VEJA


Publicado em VEJA,  edição nº 2676 de 4 de março de 2020



terça-feira, 7 de novembro de 2017

Inerte na periferia


A Tesla, com seus carros elétricos, já vale tanto quanto a GM e Ford. No Brasil continua-se gastando US$ 10 bilhões anuais em incentivos a um parque industrial quase todo obsoleto 



O que aconteceu? — a perplexidade estava estampada nos rostos dos senadores da Comissão de Ciência e Tecnologia. Acabavam de ler a mensagem na tela: em 1963 o Brasil era o país que, depois do Japão, mais registrava patentes nos Estados Unidos, e agora ocupa um modesto 28º lugar. Singular regressão.

A hesitação na sala foi rompida por um senador do Acre, onde vive metade das tribos isoladas da Amazônia. Ele narrou seu assombro com o novo mundo tecnológico prenunciado pelo carro elétrico, tema de um projeto de lei do qual é o relator:  — Outro dia fui visitar o Nelson Piquet (tricampeão de Fórmula 1). Ele me mostrou o carro elétrico da Tesla que comprou. 

Na garagem do ex-piloto, em Brasília, Jorge Viana (PT-AC) topou com um sedã grande — “coisa de americano”, definiu. Viu “um posto de gasolina” composto por fio e tomada, sem necessidade de licença estatal.  — Pedi para abrir o capô, para ver a inovação. Abri, zero de peça, só espaço vazio. Aí, abri a traseira, podia ser motor de traseira... Nada. Cadê o motor? As peças?
— Não tem. O motor está nas rodas...

O senador agachou-se para olhar, e o piloto continuou:  — Tem 400 quilômetros de autonomia. Faz 100 quilômetros em segundos... Jorge, você tem noção de quantas peças há num carro convencional?
— Claro que não, não sou mecânico.
— Perto de seis mil. Sabe quantas peças tem nesse? Trezentas e poucas...

O senador percebeu que estava diante do símbolo de um novo mundo, sem gasolina, peças ou mecânicos. A americana Tesla e seus carros elétricos não existiam há uma década, quando o Brasil ampliou exponencialmente os incentivos às montadoras convencionais em São Paulo, Rio, Minas, Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás e Bahia.

Hoje, a Tesla vale tanto quanto GM, Ford e Volks. E o Brasil continua gastando US$ 10 bilhões anuais em subsídios estatais no seu parque industrial, quase todo obsoleto. O Tesouro também paga metade do investimento em pesquisa e desenvolvimento, enquanto nos EUA, Ásia e Europa 75% desses gastos são das empresas privadas. O “fabricado no Brasil” ainda prevalece sobre o “criado no Brasil” .
O senador Omar Aziz (PSD-AM) permitiu-se um desabafo sobre a Zona Franca de Manaus:
— O que é que nós produzimos de tecnologia nossa? Absolutamente nada. Para produzirmos um computador, tudo é trazido de fora. Chega aqui, e o pessoal solda... Então, nada! 

A audiência seguiu com cientistas implorando para se evitar um corte de 44% nas verbas para pesquisas em 2018. Lembravam a dimensão do retrocesso nacional. Em 1995, Brasil e Índia possuíam economias e políticas similares para ciência, pesquisa, desenvolvimento e inovação. Nesses 22 anos, a Índia cresceu à média de 7,3% ao ano, e suas empresas agora registram oito vezes mais patentes que as brasileiras. Inerte na periferia, o Brasil contentou-se com crescimento médio de 2,4% ao ano. 

O que aconteceu? Parte da resposta está na sucessão de erros do Executivo, Legislativo e Judiciário, que resultam na anarquia da edição de 13 mil regras tributárias por ano (250 novas por semana). Outra parte está nos autos da Operação Lava-Jato. Eles relatam o suicídio das maiores empresas de engenharia, que elegeram o suborno de governantes como atalho para vencer, crescer e perpetuar no novo mundo.