Investigações continuam
Mais importante que o resultado que se desenhou ontem de unanimidade em favor da legalidade do inquérito das fake news em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) foi o fato de que não houve qualquer limitação no julgamento. Os oito votos dados até agora são pela improcedência total da alegação de que o inquérito é inconstitucional, e as investigações continuam absolutamente idênticas. O próprio Ministro Fachin, relator da ADPF ( Arguição de descumprimento de Preceito Fundamental), alterou seu voto, colocando as “limitações” como motivação dele, e não como “dispositivo”, que é o que vincula.Bolsonaro, como faz com seus seguidores mais aloprados como a tal de Sara Giromini, autointitulada Winter está tentando uma “saída honrosa” para Weintraub, especulado para ser o representante do Brasil no Banco Mundial para ajudar a desgastar ainda mais a imagem do país no exterior. No julgamento, até mesmo o ministro Celso de Mello, que discorda dessa jurisprudência, a adotou em seu voto em favor do “principio do colegiado”. O ministro Marco Aurélio deixou sua marca, como fez regularmente nesses 30 anos de STF completados semana passada, e votou a favor do habeas corpus.
Nas homenagens que recebeu, essa característica foi ressaltada, com o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, lembrando que votos vencidos de Marco Aurélio tornaram-se teses majoritárias e formadoras de jurisprudências na Corte com o passar dos anos. Com relação ao inquérito das fake news, dará seu voto amanhã, e talvez mantenha-se contra a corrente. O relator, ministro Edson Fachin, ressaltou que diante do “ (...) incitamento ao fechamento do STF, de ameaça de morte ou de prisão de seus membros, de apregoada desobediência a decisões judiciais, julgo totalmente improcedente o pedido”.
Diante das provas documentais chocantes apresentadas pelo ministro Alexandre de Moraes, que leu em seu voto ameaças de morte a membros do Supremo e até mesmo de estupro de filhas de seus membros por uma advogada do Rio Grande do Sul, já localizada e devidamente indiciada, os ministros manifestaram-se veementemente em favor da instituição e da democracia. [ameaças de morte são crimes e devem ser investigadas e punidas;
o estupro, ainda que praticado contra uma prostituta, já é repugnante, reprovável e a pena mais leve, complementar à de reclusão, deveria ser a castração química.
Mas, pretender punir um ministro de Estado, que em uma reunião secreta - que se tornou pública por decisão de um ministro do STF - expressa o desejo de prender os ministros do STF, é a expressão de um desejo.
Até mesmo um cidadão que não exerça cargo público tem o direito de ter um desejo e expressá-lo, cabendo alguma punição se o meio de expressar for tipificado como crime.
Já o xingamento que acompanhou a indicação do desejo, foi uma ofensa e como tal deve ser punida.
É a nossa modesta opinião.]
Todos fizeram questão de separar “liberdade de expressão” de causas antidemocráticas e ilegais como a defesa da ditadura, do fechamento do Congresso Nacional ou do Supremo Tribunal Federal, incentivos a agressões e incitamento à violência contra membros do Supremo e seus familiares. O ministro Luis Roberto Barroso salientou que as investigações só se atém a ataques criminosos, não a críticas às decisões do Supremo ou a opiniões de seus membros. “Quem recebe dinheiro para fazer campanhas de ódio não é militante, (...) é criminoso, porque atacar pessoas com ódio, com violência, com ameaças, não é coisa de gente de bem, é gente capturada pelo mal”, afirmou.
O futuro presidente do Supremo, ministro Luis Fux, classificou os atos de “gravíssimos atentados à dignidade da Corte e da democracia”, e classificou de “terrorismo” os ataques promovidos contra o Supremo. A ministra Cármen Lúcia fixou a maioria a favor da legalidade do inquérito sobre fake news afirmando que liberdade não rima juridicamente com criminalidade, e sim com responsabilidade. Para o ministro Gilmar Mendes, as investigações abrangem “atuação organizada que objetiva o cometimento de crimes”, não protegida pela Constituição. Uma resposta eloquente e com consequências às bravatas do presidente Bolsonaro, que ameaça, como repetiu ontem, não aceitar mais medidas vindas do Supremo, o que caracterizaria crime de responsabilidade, mas até agora não se sentiu com condições políticas de bancar um rompimento com a legalidade. [o eloquente, acima citado, nos leva a transcrever pequeno trecho do artigo de Luis Fernando Veríssimo, em O Globo e Estado de S. Paulo, que diz: "Anos de mau convívio ensinaram a sociedade civil romana a manter os generais e suas legiões longe do poder, ou das tentações do poder. Não adiantou muito: foram os generais e suas legiões que fizeram história enquanto os tribunos faziam discursos." ]
Merval Pereira, jornalista - O Globo