Roberto Dias
Posições de médicos e pesquisadores parecem balizadas por critérios que não só os da profissão
Quem acredita que absolutamente tudo é política tem nesta crise de saúde
seu Woodstock. Pois nem a medicina, um ramo do conhecimento com mais de
dois milênios de história e objetivo muito bem definido, o de curar
pessoas, conseguiu agora escapar. Infectados pela Covid-19, dois dos médicos mais famosos do país adotaram
posições que parecem balizadas mais pela guerra política do que pela
lógica de sua profissão.
Um deles, o cardiologista Roberto Kalil Filho, que cuidou da saúde dos
três últimos presidentes da República, tratou-se com cloroquina e tratou
também de, tão logo possível, defender o uso do medicamento,
aproximando-se vertiginosamente da linha defendida pelo atual ocupante
do Planalto.
Outro, o infectologista David Uip, recusou-se a dizer se seu tratamento
incluiu a cloroquina. Chefe do centro de contingência contra o
coronavírus em São Paulo, disse que não queria servir de modelo, mas a
explicação para a omissão não foi lá muito convincente. Merecidamente,
virou meme - ele estaria tentando agradar a seu superior, o governador
João Doria, hoje o inimigo público número um de Jair Bolsonaro.
Bolsonaro tentou faturar com as duas situações, como se o tratamento de
duas pessoas fosse assunto da sua conta. [Na condição de presidente da República, preocupado com a saúde de milhões de brasileiro e a vida de outros milhares, Bolsonaro tem todo o direito de saber e os médicos o dever de informar, qualquer medicamento ou procedimento que poupe vidas e cure doentes.]
Doria, por sua vez, tem achado
por bem faturar politicamente a cada entrevista coletiva para discutir o
coronavírus, confundindo púlpito de governador com palanque de
candidato presidencial.
Para saber mais, recomendamos os links abaixo, com informações e links de acesso a outros.
A politização da discussão médica retira dela as nuances que naturalmente a compõem. Pior, cria tal nuvem de confusão que contamina tudo ao redor, inclusive a
academia - como o caso do diretor de instituto médico que se sentiu
confortável em "desautorizar" um pesquisador de sua equipe por expressar
uma opinião, como se a divergência não estivesse no DNA de qualquer
universidade séria. Uma mentira também se constrói com muitos donos da
verdade.
Roberto Dias, jornalista - Folha de S.Paulo