Opinião
Propostas que esvaziam subordinação da segurança aos estados são parte do projeto de poder de Bolsonaro
Isac Nóbrega - PR
A necessidade de um comando unificado é apenas uma manobra para o presidente ampliar o apoio com que
já conta nas corporações, principalmente na PM. Mais do que isso, representa um
risco institucional seriíssimo de que as polícias possam constituir um poder
paralelo sob a influência de Bolsonaro. É um perigo para o estado democrático
de direito e toda a sociedade.
O ex-capitão sempre procurou atrair o apoio de PMs e militares de baixa patente, com a promessa de medidas populistas. Como fez há pouco, em visita à central de abastecimento de São Paulo (Ceagesp), estatal federal, ao anunciar que policiais militares, fardados ou não, passariam a ter desconto de 20% dos comerciantes. Comportou-se como representante sindical desses servidores públicos armados ao longo dos 28 anos em que integrou o baixo clero da Câmara. Continua a comportar-se no Planalto.
É inequívoca a adesão que conquistou nessas categorias. Entre os praças, 41% acessam e interagem em espaços bolsonaristas na internet, revelou pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Decode. Desses, 16% navegam em ambientes radicalizados. Entre os oficiais, tais números são, respectivamente, 35% e 18%. Como presidente, Bolsonaro parece interessado em obter dos policiais bem mais do que votos. Os números alertam para a possibilidade de novas insubordinações, como a que aconteceu ano passado durante a greve da PM no Ceará.
Bolsonaro
se recusou a chamar de “motim” a rebelião cearense. Em 13 dias de paralisação —
proibida pela Constituição —, policiais desobedeceram às ordens para voltar ao
trabalho. Houve 240 assassinatos no estado. Como agiriam outros policiais
diante de governos estaduais com menos poderes? [qual o poder que os governadores do Ceará, do Espírito Santo e outros estados exerceram sobre os policiais rebelados? nenhum, jogaram o problema para o Governo Federal = algo do tipo o presidente da República organiza, controla a situação e nos devolve = lavaram as mãos.]
Várias das mudanças propostas na Câmara refletem só o corporativismo de costume. É o caso das que criariam, na PM, postos semelhantes aos da hierarquia militar: tenente-general; major-general e brigadeiro-general (hoje, a patente mais alta é coronel). [atualizando: na hierarquia militar, nas Forças Armadas, o posto mais alto, em tempos de paz, é o de oficial general, na Marinha Almirante-de-Esquadra, no Exército General-de-Exército, e na Aeronáutica Tenente-Brigadeiro.] Ou da inevitável melhoria no soldo. Mas a transformação da PM numa espécie de milícia privada a serviço do bolsonarismo parece ser o objetivo implícito.
Com
a intenção de reduzir o poder dos governadores, comandantes-gerais e
delegados-gerais passariam a ter mandato de dois anos. Na PM, o governador
escolheria o comandante numa lista tríplice apresentada pela própria
corporação. Na Polícia Civil, o chefe seria um dos que estão no topo da
carreira. A destituição do comandante da PM teria de ser “justificada e por
motivo relevante devidamente comprovado”. Na Polícia Civil, teria de ser
aprovada na assembleia ou câmara distrital. [aceitar pitado de deputado estadual, distrital, no assunto, não iria funcionar. Na Segurança Pública, em questões de policiamento, tem que haver um comando forte, pulverizar a tomada de decisões implica quebrar a prontidão, a presteza.]
Bolsonaro flerta com a rebelião trumpista nos Estados Unidos e diz que algo “pior” acontecerá aqui se perder em 2022. [Segundo o jornal o Estado de S. Paulo,o presidente Bolsonaro declarou: “Se nós não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos”, afirmou o presidente brasileiro, em frente ao Palácio da Alvorada.] Projetos que sintonizariam o comando das polícias com seus desejos não podem ser aprovados. As implicações extrapolam a segurança pública. Ameaçam a própria democracia.
Opinião - O Globo