Como o noticiário sobre os subornos pagos por Odebrecht no Peru levou o romancista Mario a uma viagem ao tempo perdido longe do filho Álvaro, com quem brigou 17 anos atrás
O peruano
Mario Vargas Llosa é um escritor fascinado com o tempo. O do romance não
é igual ao da realidade, ensina em obra reconhecida com o Nobel de
Literatura de 2010. Existe o tempo cronológico, mensurável no movimento
dos astros, independente da subjetividade. Outro é o psicológico, que se
transforma pelas emoções. Passa rápido nas experiências felizes. Ou, ao
contrário, se prolonga, “parece infinito — os segundos, minutos; os
minutos, horas — quando esperamos ou sofremos”.
Às vésperas dos 81 anos, Vargas Llosa acaba de se ver surpreendido pelo enredo do tempo cronológico, esse “que nos rói desde que nascemos até que desaparecemos e preside a fatídica curva da vida”. Percebeu-se prisioneiro numa história que, acha, é “um grande thriller”: a Lava-Jato. O romancista foi emboscado pela realidade, dentro de casa. No fim de julho, 17 anos atrás, Mario estimulou a família a ir à rua. Os Vargas Llosa somaram-se à multidão sublevada em Lima contra Alberto Fujimori — hoje presidiário, condenado a um quarto de século em regime fechado por crimes contra a Humanidade e corrupção. Mario, ex-comunista convertido à democracia, ativista contra a corrupção, havia perdido a eleição para Fujimori em 1990. Agora, na luta estava o carismático oposicionista Alejandro Toledo. A ditadura caiu. Toledo venceu as eleições presidenciais no ano seguinte.
Foi com alegria que o escritor viu seu filho Álvaro se transformar num dos principais assessores de Toledo na campanha. Decepcionou-se muito, quando ele rompeu em público com o candidato. Interpelou Álvaro. Ouviu o relato de um jovem economista alarmado, depois de assistir reuniões de Toledo com empresários e, sobretudo, com a desenvoltura de um amigo do candidato, o israelense Josef Maiman, cujos planos incluíam a compra de uma refinaria e um canal de TV.
O pai não se convenceu. Achou tudo aquilo enorme injustiça com um líder que emergira da indigência indígena, exibia um duplo mestrado em Economia pela Universidade de Stanford (EUA), ajudara a derrubar a ditadura e encarnava a promessa de renovação num país fraturado pela corrupção e pela barbárie terrorista. Mario brigou com Álvaro. E os Vargas Llosa agonizaram nos segundos, que viraram minutos, minutos, em horas, nas vidas distanciadas.
Dias atrás, o noticiário sobre os subornos pagos por Odebrecht no Peru levou Mario a uma viagem no tempo perdido longe do filho. Toledo agora é um fugitivo da Justiça, acusado de receber US$ 20 milhões do grupo brasileiro. Do total, US$ 11 milhões escoaram via contas operadas por Josef Maiman.
Há mais: documentos da Camargo Corrêa também indicam pagamentos ao grupo de Toledo. A planilha leva um sugestivo título: “Previsão de Capilés”. Mostra que parte do dinheiro foi para a conta nº 0308478009 do Citibank em Londres (swift CITIGB2L), aos cuidados de Maiman, que exibia credenciais de embaixador do Turcomenistão no Peru.
Domingo passado, Mario publicou no “La Republica”, de Lima, artigo sobre a frustração com Toledo, agora com 70 anos. O romancista de todos os prêmios rendeu-se à tocaia nas esquinas da vida real. Separou uma linha do longo texto para registrar arrependimento pela briga com o filho no inverno de 17 anos anos atrás: “Agora, me desculpo com ele e celebro suas suspeitas e seu olfato justiceiro.”
Às vésperas dos 81 anos, Vargas Llosa acaba de se ver surpreendido pelo enredo do tempo cronológico, esse “que nos rói desde que nascemos até que desaparecemos e preside a fatídica curva da vida”. Percebeu-se prisioneiro numa história que, acha, é “um grande thriller”: a Lava-Jato. O romancista foi emboscado pela realidade, dentro de casa. No fim de julho, 17 anos atrás, Mario estimulou a família a ir à rua. Os Vargas Llosa somaram-se à multidão sublevada em Lima contra Alberto Fujimori — hoje presidiário, condenado a um quarto de século em regime fechado por crimes contra a Humanidade e corrupção. Mario, ex-comunista convertido à democracia, ativista contra a corrupção, havia perdido a eleição para Fujimori em 1990. Agora, na luta estava o carismático oposicionista Alejandro Toledo. A ditadura caiu. Toledo venceu as eleições presidenciais no ano seguinte.
Foi com alegria que o escritor viu seu filho Álvaro se transformar num dos principais assessores de Toledo na campanha. Decepcionou-se muito, quando ele rompeu em público com o candidato. Interpelou Álvaro. Ouviu o relato de um jovem economista alarmado, depois de assistir reuniões de Toledo com empresários e, sobretudo, com a desenvoltura de um amigo do candidato, o israelense Josef Maiman, cujos planos incluíam a compra de uma refinaria e um canal de TV.
O pai não se convenceu. Achou tudo aquilo enorme injustiça com um líder que emergira da indigência indígena, exibia um duplo mestrado em Economia pela Universidade de Stanford (EUA), ajudara a derrubar a ditadura e encarnava a promessa de renovação num país fraturado pela corrupção e pela barbárie terrorista. Mario brigou com Álvaro. E os Vargas Llosa agonizaram nos segundos, que viraram minutos, minutos, em horas, nas vidas distanciadas.
Dias atrás, o noticiário sobre os subornos pagos por Odebrecht no Peru levou Mario a uma viagem no tempo perdido longe do filho. Toledo agora é um fugitivo da Justiça, acusado de receber US$ 20 milhões do grupo brasileiro. Do total, US$ 11 milhões escoaram via contas operadas por Josef Maiman.
Há mais: documentos da Camargo Corrêa também indicam pagamentos ao grupo de Toledo. A planilha leva um sugestivo título: “Previsão de Capilés”. Mostra que parte do dinheiro foi para a conta nº 0308478009 do Citibank em Londres (swift CITIGB2L), aos cuidados de Maiman, que exibia credenciais de embaixador do Turcomenistão no Peru.
Domingo passado, Mario publicou no “La Republica”, de Lima, artigo sobre a frustração com Toledo, agora com 70 anos. O romancista de todos os prêmios rendeu-se à tocaia nas esquinas da vida real. Separou uma linha do longo texto para registrar arrependimento pela briga com o filho no inverno de 17 anos anos atrás: “Agora, me desculpo com ele e celebro suas suspeitas e seu olfato justiceiro.”